Famoso por best-sellers que investigaram mundos muito fechados (CIA, Exxon Mobil, a família Bin Laden), o jornalista Steve Coll, 55, da revista New Yorker, assumiu a direção da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Columbia, uma das melhores do mundo na área, “em tempos de desafio para a mídia”. “Mas sou um grande otimista”, afirma.
Para ele, a recessão nos EUA já acabou e há muitos investimentos em mídia “para criar conteúdo e construir audiência”. Coll diz também que há cada vez uma maior consciência de que o jornalismo de qualidade “é caro, precisa de financiamento e é fundamental para a democracia”.
Crítico de redes sociais como o Facebook, ele saiu do site “porque o contrato entre a empresa e os usuários é muito confuso” e “esses espaços comerciais não podem substituir os espaços públicos”. O jornalista diz que se sentia “explorado”.
Coll recebeu a Folha em seu escritório, onde faltou também dos investimentos de Jeff Bezos, da Amazon, no Washington Post, jornal do qual foi editor por uma década.
Leia abaixo a íntegra da entrevista com Steve Coll.
O sr. se diz otimista com o jornalismo. Por quê?
Steve Coll – A recessão nos EUA acabou, então as receitas de jornais, revistas e TVs não estão caindo como durante a recessão. Há um enorme boom de investimento em mídia. Tanto em Nova York, quanto no Vale do Silício, está todo mundo atrás do novo Buzzfeed, que, por sua vez, está até contratando correspondentes no exterior. Nem todo o investimento é no que eu chamaria de jornalismo de qualidade, mas há novas ideias na criação de conteúdo e construção de audiências. Por último, há um reconhecimento cada vez maior, de quem preza a democracia e valoriza o bom jornalismo, do seu valor. É nesse mundo que está Pierre Omidyar e sua iniciativa de nova mídia, First Look, e várias ONGs que patrocinam jornalistas e investigação. Cada vez há menos dúvida da importância do jornalismo para investigar políticos, trazer a prestação de contas e transparência dos órgãos públicos.
O sr. é otimista quanto ao financiamento do jornalismo também?
S.C. – Há um desafio quanto ao financiamento do jornalismo e os jovens jornalistas terão que inventar suas carreiras de forma mais empreendedora. Terão que mudar de patrão mais frequentemente. A minha geração é a última dos servidores públicos do jornalismo. Mas há modelos bem sucedidos por aí. A revista The Atlantic fez uma transição muito bem sucedida do papel para o digital e o Buzzfeed já conseguiu transformar sua audiência em receita. E o jornalismo na TV paga aqui é imensamente lucrativo, basta ver os lucros da Fox News e da MSNBC, e da Bloomberg. Elas podem bancar várias estratégias em novos meios.
O editor do site Buzzfeed, Ben Smith, diz que as redes sociais se tornaram na nova “primeira página” dos jornais, que é onde se informam os leitores. O sr. saiu do Facebook dizendo que ele é muito confuso. Perdem os leitores?
S.C. – O papel do editor de jornal ou da TV é de tomar decisões profissionais. Fazer um mix do que é importante, do que é divertido, do que é local e global. Essas discussões nem sempre serviram ao leitor, mas não há duvida que temas sérios de investigação ou reportagens de assuntos globais tinham seu espaço. Eles seriam negligenciados se tratássemos a primeira página como uma disputa de voto popular, do que é mais pop. Todas as redações profissionais estão no Twitter, e elas estão usando seu pensamento de primeira pagina no site. Já o Facebook é muito poluído pelo comércio.
O sr. anunciou sua saída do Facebook no seu blog na New Yorkercomo “um exercício de cidadania”. Poderia explicar melhor?
S.C. – Não sou um evangelista para que todo mundo saia do Facebook, mas decidi sair em 2012 e não sinto falta nenhuma. O Twitter é mais sob medida às minhas necessidades. Não me sinto tão explorado quanto no Facebook, que é muito confuso e sempre parece ter uma multidão. Eu li o contrato e as regras do site e tudo me pareceu muito pretensioso, escrito como uma Constituição, mas de um Estado do qual eu não gostaria de ser cidadão. Muita gente não se importa com essa praça pública porque não estão sob risco de vida ou de atrair violência por suas opiniões, ou porque não estão tão preocupadas com sua privacidade ou com o uso comercial dela. Eu gostaria de ver mais consciência pública de que esses espaços comerciais não podem substituir os espaços públicos de debate. Seria como um shopping substituir a calçada ou a praça.
O sr. foi o número 2 do Washington Postpor uma década. O que sabe das mudanças no jornal desde que foi comprado por Jeff Bezos, dono da Amazon?
S.C. – Do que escuto de amigos e colegas na redação, o começo da gestão Bezos é bem positivo. Ele manteve o editor-executivo Marty Baron, que é forte, um bom sinal para a redação. Ele disse aos repórteres “vocês não vão escutar nada de mim, vocês já têm um editor”. E ainda houve anúncios de vários investimentos, contrataram bons nomes para a redação, esforços na equipe.
Ainda é difícil saber a visão dele para o jornal, mas ele tem dinheiro e pode trazer seus talentos para os problemas do negócio, em como usar dados e incrementar o varejo, o que ele fez na Amazon.
Tanto Chelsea Manning, quanto Edward Snowden preferiram fazer suas revelações a jornalistas e meios de comunicação no exterior. Diferente de Daniel Ellsberg, que entregou seus papeis do Pentágono ao New York Timese ao Washington Post. A nova geração não acredita na imprensa americana?
S.C. – Acho que Manning estava atraído pela promessa de transformação radical do Wikileaks e ele não podia se aproximar facilmente de jornalistas. Acho que Snowden pensou mais em como editar e controlar a divulgação e buscou algo intermediário, Greenwald, um colunista do The Guardian, e um jornalista do Washington Post. A decisão diferente foi se revelar logo de cara.
O que mudou mesmo foi como a informação se tornou facilmente portável para um delator. A maior dificuldade para Ellsberg foi como circular aquela papelada toda. Hoje tudo cabe em um pen drive.
O sr. acusou em seu blog no site da revista New Yorkerque o presidente Obama esvaziou a liberdade de imprensa quando um agente da CIA foi condenado por ser a fonte de reportagens. Essa liberdade está sob risco?
S.C. – O governo prometeu em agosto passado novas regras e regulamentos. Há um processo contra James Risen, repórter do New York Times, que o obriga a testemunhar no processo contra esse agente da CIA que teria vazado informações a ele. Mais do que as intenções, quero ver as ações do governo. Uma das maiores preocupações, mesmo quando jornalistas não são alvo, mas sim quem vazou a informação, é ver que o sistema de espionagem está sendo usado para coletar e-mails. Isso vira evidência em ações criminais. O governo não precisa ir pela porta da frente para fazer essas acusações, aonde trombaria com a liberdade de imprensa. Espionagem assim nunca foi pensada para processar fontes.
O sr. escreveu em seu blog que a elite americana desprezou as denúncias de Snowden “porque todo mundo espia todo mundo”.
S.C. – Entre as deficiências que ficaram evidentes após as denúncias de Snowden é que há uma falta de julgamento político sobre as operações de inteligência e que a NSA estava complacente e arrogante, assumindo que a espionagem nunca seria revelada. A CIA, muito acostumada a vazamentos, faz revisões anuais sobre suas operações. “E se esta operação for descoberta e exposta, vale a pena ser feita?”, eles sempre calculam o prejuízo político. A NSA parece que nunca julgou se grampear o celular da Angela Merkel valeria a pena. O estrago político é muito alto, só valeria se um líder estrangeiro é suspeito de complô. Insultar aliados ou países amistosos cria custos maiores que os benefícios. Mas eles estavam isolados do bom senso.
A mídia americana parece não criticar muito Obama nessa área.
S.C. – Há um reconhecimento que o governo Obama não é muito amistoso com a mídia, que o acesso é limitado, mas nossa esquerda, especialmente os colunistas, relutaram muito em criticar, especialmente durante a reeleição, e não deram voz à decepção com as políticas de segurança do Obama, uma continuação das do Bush. Há uma timidez em criticá-lo. Agora até temos mais reportagens de drones, mas acontece mesmo quando Snowden expõe.
O sr. também escreveu que Obama talvez não soubesse da escala da espionagem. É possível?
S.C. – A história é cheia de conselheiros que não informam os presidentes do que é feito, então eles podem negar sem culpa. Se mostram para ele um relatório sobre uma alta autoridade alemã que estava conversando com Putin e disse isso, isto e aquilo, só pode ser a Merkel, claro, mas vamos fingir que não sabemos. É como o mundo funciona.
O sr. escreveu longas reportagens no Washington Poste na New Yorker, e fez livros que partiram de grandes investimentos em reportagens. Como manter esse investimento em redações cada vez menores e com quedas na receita de publicidade?
S.C. – Vivemos um momento de transição no jornalismo, onde cresce o papel da filantropia, das universidades e ONGs com interesse público, como Pierre Omidyar, no jornalismo. Que não é filantropia, mas ele tem experiência nessa área. Pelo menos nos EUA há muita gente aqui que vê o valor desse trabalho, que o jornalismo de qualidade é importante e caro, e surgem novos modelos para patrociná-lo. Difícil criar um modelo sustentável sem lucro em qualquer área. É melhor estar sob uma grande instituição para sobreviver no longo prazo. Aqui na Columbia, com apoio de fundações, vamos criar patrocínio para grandes reportagens para alunos da pós-graduação com a colaboração de jornalistas de fora.
O sr. também contratou diversos jornalistas para fazer reportagens investigativas na New America Foundation. Mas em países sem a mesma tradição em filantropia ou com grandes fundações, deveríamos ficar preocupados?
S.C. – Conheço a Índia, a Europa e a África, nunca estive no Brasil. Mas acho que em democracias sempre haverá interesse em investigações e em bom jornalismo. Nos EUA, várias famílias proprietárias de jornais atuaram sempre com espírito público e permitiram independência às redações, sem usá-las em guerras políticas. Em sociedades mais jovens, onde a democracia cresce, esse espírito será necessário.
Muitas faculdades de Jornalismo ainda formam profissionais como se as redações estivessem crescendo. Columbia pretende dar mais ênfase a um jornalista empreendedor, que possa criar seu próprio negócio?
S.C. – O Vale do silício é o casamento entre inovadores nos negócios e na tecnologia. A ênfase em uma faculdade como esta é menos em como criar uma empresa, mas como saber usar as ciências de dados e de computação e aplicá-las ao jornalismo. São ferramentas necessárias nas redações modernas. Não temos muito espaço para colocar planejamento de negócios no currículo, mas sou aberto ao assunto. Temos uma gigante escola de negócios aqui no campus, e uma de engenharia, com centro de computação. Precisamos criar mais oportunidades para colaboração formal e informal entre essas escolas.
Há muitos candidatos a Nate Silver [blogueiro que acertou todos os resultados da eleição presidencial americana de 2012, estudando pesquisas e estatísticas]?
S.C. – Nate Silver é certamente um exemplo, temos diversos aspirantes a Nate Silver aqui. Ele foi muito bem sucedido em levar seus conhecimentos de estatística e de leitura sofisticada de dados para a previsão da política. Separar o dado bom do ruim. Se você me perguntar o que dados podem fazer pelo jornalismo, fazer previsões mais acertadas seria uma das respostas. Antes do Nate Silver, se você perguntasse mesmo a um jornalista bem informado de Washington, ele confiaria apenas na sua intuição. Como ainda fazem muitos analistas prevendo guerras futuras.
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Quem é quem – Entenda as menções
>> Buzzfeed – Site que mistura jornalismo e entretenimento, fez fama com listas e é sucesso no conteúdo viral
>> Jeff Bezos – Criador da loja virtual Amazon, comprou em 2013 o jornal “Washington Post” por US$ 250 mi
>> Nate Silver – Jornalista e blogueiro que acertou os resultados da eleição presidencial americana em 2012 a partir do cruzamento de estatísticas e pesquisas
>> NSA – Agência de Segurança Nacional
>> Pierre Omidyar – Bilionário americano de origem iraniana que criou o site de leilões virtuais eBay. Anunciou o investimento de US$ 250 milhões em uma nova mídia digital, “First Look”, com os jornalistas Glenn Greenwald e Jeremy Scahill e a documentarista Laura Poitras
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Raul Juste Lores, da Folha de S.Paulo