O buraco de US$ 6,18 bilhões no comércio exterior, no primeiro bimestre, foi um recorde. Poderia ser um acidente, mas as contas externas vêm piorando há anos. Em 2013, o resultado final, um superávit de US$ 2,56 bilhões, dependeu da exportação fictícia, embora legal, de plataformas de petróleo no valor de US$ 7,74 bilhões. Com isso se evitou um déficit superior a US$ 5 bilhões. Havia mais de uma razão, portanto, para se examinar com muito cuidado os números de janeiro e fevereiro deste ano. O primeiro passo seria ler com atenção o relatório mensal divulgado no site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic).
Basta um clique para imprimir o documento. São 13 páginas de textos e tabelas fáceis de ler e com informação suficiente para render uma boa matéria. A maior parte das comparações numéricas vem pronta. Com um pouco de aritmética elementar o jornalista pode enriquecer a história. Mas boa parte de repórteres e editores aproveitou essa informação bem menos do que poderia.
Na maioria dos grandes jornais, o material publicado na sexta-feira (7/3), um dia depois de conhecido o balanço de fevereiro, mostrou escasso aproveitamento da informação disponível. Ao apresentar os dados, em Brasília, o secretário de Comércio Exterior do ministério, Daniel Godinho, chamou a atenção para as importações de petróleo e derivados em fevereiro. Também mencionou a Copa do Mundo como possível explicação das grandes importações de material eletroeletrônico.
O aumento das compras de petróleo e derivados era uma pista atraente e foi seguida, pelo menos até certo ponto, em todas as coberturas. Esse detalhe foi destacado em todas as coberturas. O Estado de S. Paulo noticiou (em 7/3) um novo recuo da produção de petróleo em janeiro. Curiosamente, o trabalho de relacionar as duas notícias – a do comércio exterior e a da produção da Petrobras – ficou para o leitor mais ou menos atento.
Fatores múltiplos
A matéria do Globo foi aberta com os dois pontos destacados na entrevista oficial, os gastos com petróleo e as compras de eletrônicos (televisores para a Copa, principalmente). Gráficos facilmente legíveis ilustraram a reportagem, mas a história foi pouco além das declarações de Godinho.
A Folha de S.Paulo tomou um caminho diferente e destacou a redução das exportações para a Argentina – 16% menos, no primeiro bimestre, que em janeiro e fevereiro de 2013. O comércio bilateral ainda proporcionou ao Brasil um superávit de US$ 300 milhões no período, mas a forte diminuição das vendas obviamente afetou o resultado geral. A matéria chamou a atenção, sem se estender no assunto, para a dependência em relação à Argentina, consequência de uma decisão diplomática. O país é um dos principais destinos das exportações brasileiras de manufaturados. A reportagem menciona o crescente protecionismo argentino e, de passagem, a falta de acordos com Estados Unidos e Europa. Deu um toque particular à informação e remeteu, embora discretamente, ao tema das decisões de diplomacia comercial.
O Valor foi mais longe que os outros jornais na apresentação da balança comercial do bimestre. Citou as declarações do secretário Daniel Godinho, mas seguiu critérios próprios na exploração dos detalhes. O material foi completado com uma análise sem meias palavras assinada por Denise Neumann.
Essa análise chama a atenção para a ampla variedade de fatores por trás do déficit acumulado em dois meses:
“O crescimento do déficit vem de vários lados, como a menor exportação para vários destinos importantes (União Europeia e América Latina, por exemplo), o preço menor de exportação de commodities importantes (em fevereiro, a soja foi embarcada por um preço 7,7% menor que o de fevereiro do ano passado) e um aumento ainda expressivo na importação de bens intermediários.”
Pouco apetite
Acréscimo importante: o câmbio ainda faz pouco efeito, apesar de rodar na casa de R$ 2,30 há cinco meses, mais ou menos. A conclusão quanto a este ponto fica para o leitor, mas parece evidente: a relação entre o real e o dólar pode ter algum peso, mas fatores muito mais relevantes prejudicam a indústria brasileira na hora de competir, disputar e até conservar antigos mercados.
Na mesma página da edição de sexta-feira (7/3) do Valor, um texto de Marli Olmos, de Buenos Aires, explorou a baixa competitividade da indústria automobilística brasileira, a crescente dependência do mercado argentino, os obstáculos criados pelo governo da presidente Cristina Kirchner e os benefícios de uma possível nova linha de financiamento.
Os problemas do comércio exterior, cada vez mais sensíveis a partir de 2007, refletem a perda de eficiência da economia brasileira. O programa de concessões de infraestrutura indica um reconhecimento parcial, embora nunca explícito, desse fato. A imprensa nem sempre tem mostrado com a necessária clareza as conexões entre o desempenho internacional, as condições internas da produção e as escolhas da diplomacia econômica.
Os jornais têm muito mais condições que outros meios de mostrar essas conexões. Na maior parte dos casos, essas condições têm sido pouco ou nada exploradas.
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Rolf Kuntz é jornalista