Talvez ninguém tenha compreendido a necessidade e o preço de uma imprensa livre melhor do que Thomas Jefferson. Numa carta enviada a um amigo, em 1787, ele escreveu: “Se coubesse a mim decidir se devemos ter um governo sem jornais, ou jornais sem um governo, eu preferiria este último sem hesitar.” Duas décadas depois, Jefferson, então um presidente combalido por anos de críticas, encarava as coisas de modo diferente. “Não devemos acreditar em nada que esteja escrito num jornal”, escreveu. “A própria verdade se torna suspeita quando inserida neste veículo poluído.”
Essa tensão está no âmago da garantia contemplada na Primeira Emenda da Constituição americana, de que “nenhuma lei” pode extinguir “a liberdade de expressão ou da imprensa”. De que maneira a sociedade preserva a crítica aberta ao governo protegendo ao mesmo tempo os indivíduos contra a difamação ou a publicação de declarações falsas e danosas? Há cinquenta anos, em nove de março de 1964, a Suprema Corte respondeu a esta pergunta com uma decisão que fez jurisprudência na ação movida por L. B. Sullivan contra The New York Times. Essa decisão mudou instantaneamente a lei sobre difamação nos EUA e ainda representa a mais clara e contundente defesa da liberdade de imprensa na história americana.
A ação envolveu um anúncio publicado no Times em 1960, condenando uma “onda de terror sem precedentes” contra defensores dos direitos civis por “transgressores da lei sulistas”, particularmente no Alabama. O anúncio era um chamado à atenção nacional e um pedido de contribuições para o movimento. L. B. Sullivan, vereador em Montgomery, processou o jornal por difamação alegando que ele era o alvo do anúncio, mesmo que seu nome não fosse mencionado, e havia inúmeros erros factuais. Com leis sobre difamação favoráveis ao autor da ação, um tribunal do Alabama decidiu que Sullivan deveria ser indenizado em US$ 500 mil.
A Suprema Corte, por unanimidade, anulou aquele veredicto. O ministro da Suprema Corte William Brennan, citando uma outra decisão, afirmou que para os fundadores da nação “a discussão pública é uma obrigação e deve ser um princípio fundamental do governo americano”. A discussão, no caso, acrescentou, deve ser “irrestrita, robusta e totalmente aberta” e “pode muito bem incluir ataques veementes, cáusticos e às vezes violentos contra o governo e autoridades”.
EUA são um exemplo louvável
Para o tribunal, o contexto dos direitos civis era chave: o anúncio era “uma expressão de agravo e protesto contra um dos maiores problemas da nossa sociedade e do nosso tempo” e as autoridades do Alabama não podiam calar as críticas, mesmo que elas contivessem erros de menor importância. “Declarações incorretas são inevitáveis num debate livre”, ponderou o magistrado, e “devem ser protegidas para que a liberdade de expressão tenha o espaço vital que precisa.”
Com isso em mente, o tribunal estabeleceu novo critério, o de afirmações falsas com intenção de difamar, o que exige que a autoridade pública prove que o réu sabia que a declaração era falsa ou ignorou temerariamente se era verdadeira ou não. No caso do cidadão, o problema é mais fácil de ser superado. Geralmente, ele precisa apenas provar que a afirmação falsa resultou de negligência.
A decisão da Suprema Corte foi revolucionária porque o tribunal pela primeira vez rejeitou na prática qualquer tentativa com vistas a sufocar críticas a autoridades públicas – mesmo que falsas – como sendo antiéticas “no sentido fundamental da Primeira Emenda”. Hoje, nossa compreensão de liberdade de imprensa deriva em grande parte do caso Sullivan. Suas observações e princípios fundamentais continuam incontestes, mesmo quando a internet transformou todo mundo num editor global – capaz de exigir que as autoridades públicas respondam por suas ações e também de arruinar reputações com o clique de um mouse.
Mas o governo pode alterar o delicado equilíbrio do caso Sullivan eliminando agressivamente possibilidades de investigação, como fez o governo Obama a um nível extremo processando suspeitos de vazamento de documentos secretos e até confiscando gravações feitas por jornalistas. A crítica robusta e irrestrita só pode ir mais longe se houver acesso significativo à informação.
Mas as liberdades da imprensa americana estão entre as mais amplas do mundo. Cidadãos e organizações de mídia em países como China, Índia e até Grã-Bretanha, não desfrutam das mesmas proteções. Em muitas partes do mundo, jornalistas são censurados, perseguidos, presos ou enfrentam situações ainda piores, simplesmente pelo fato de fazerem seu trabalho e desafiarem ou criticarem autoridades. Neste campo do Direito, pelo menos, os EUA são um exemplo louvável.