Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A pauta é a arte de queimar bilhões

A grande história do mês, e talvez a melhor do ano até agora, mostra a participação da presidente Dilma Rousseff na compra de uma refinaria em Pasadena, no Texas, com prejuízo de US$ 1,18 bilhão para a Petrobras. A imprensa havia divulgado os números do negócio em 2012. A empresa belga Astra Oil comprou uma refinaria velha por US$ 42,5 milhões em 2005 e vendeu metade à estatal brasileira, no ano seguinte, por US$ 360 milhões. Em 2010, com apoio da Justiça americana, a Astra conseguiu impor à sócia a compra dos outros 50%. Em 2012 o litígio foi encerrado com o desembolso de mais US$ 820,5 milhões pela segunda metade da refinaria e outras despesas.

A novidade seguinte foi publicada no Estado de S. Paulo na quarta-feira (19/3). Quando aprovou a operação inicial, o Conselho de Administração da Petrobrs era presidido pela ministra chefe da Casa Civil, futura presidente da República. A transação e o prejuízo eram conhecidos, mas a diretoria da empresa e a cúpula do governo haviam conseguido manter silêncio sobre as personagens da história. Quando os nomes foram levantados, a presidente Dilma Rousseff decidiu responder por meio de uma nota oficial. Rasgou uma primeira versão produzida na empresa e escreveu o texto para divulgação.

Segundo a nota, os conselheiros haviam decidido com base em um sumário preparado pelo diretor da Área Internacional, Nestor Cerveró. O resumo, de acordo com a presidente, era incompleto, pois deixava de mencionar cláusulas importantes do contrato, e juridicamente falho. Em outras palavras, os conselheiros, segundo a explicação preparada no Palácio do Planalto, teriam sido enganados por um diretor, no mínimo. Ou, mais provavelmente, por vários, porque uma transação desse valor deve envolver diversas diretorias. O texto oficial saiu no Estadão juntamente com a matéria sobre a participação do Conselho no negócio.

“Aparentemente boas”

A maior parte dos grandes jornais entrou na cobertura, logo depois, creditando ao concorrente a reportagem inicial e correndo atrás de novos detalhes. A caçada foi rendosa e até se tornou mais interessante com a prisão, na quinta-feira (20), de um ex-diretor da área de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, acusado de envolvimento em lavagem de dinheiro.

A história desse ex-diretor, convertido em lobista, valeria uma grande cobertura mesmo sem vínculo direto com o escândalo da refinaria de Pasadena. As matérias mencionaram as ligações de Costa com caciques de vários partidos e seu prestígio no Palácio do Planalto durante a segunda gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas as duas narrativas logo convergiram, porque ele havia participado da redação do contrato de compra sacramentado pelo conselho presidido pela ministra Dilma Rousseff.

No fim de semana, a revista Época uniu as duas histórias em uma reportagem sobre os escândalos e sobre a promiscuidade entre a política dos partidos da base e a administração da Petrobras. Também no fim de semana, os jornais noticiaram a demissão de Nestor Cerveró do posto de diretor financeiro da BR Distribuidora. Cerveró comandava a área Internacional da Petrobras em 2006, quando a refinaria comprou 50% da refinaria no Texas.

Se alguém, como afirmou a presidente em sua nota, ocultou dados essenciais do negócio, terá sido ele o responsável principal. Mas nenhuma punição havia ocorrido. Depois de deixar a diretoria de Assuntos Internacionais da empresa mãe, ele ainda ocupou uma posição executiva em uma subsidiária, a distribuidora, até ser demitido na sexta-feira (21/3). “Cai ex-diretor da Petrobrás ligado à compra de refinaria” foi a manchete da Folha de S.Paulo no dia seguinte.

O assunto continuaria em destaque nos dias seguintes. Durante a semana, o interesse havia sido alimentado por novos detalhes da história principal. Segundo executivos da Petrobras, Dilma poderia ter acesso a todos os documentos do negócio original, se quisesse. Além disso, a cláusula “put option”, relativa ao compromisso de compra da parte restante da refinaria de Pasadena, era normal em contratos dessa natureza. Não seria necessário, no entanto, explicitá-la na documentação apresentada ao conselho? De toda forma, os conselheiros parecem ter-se contentado com pouca informação, se a nota preparada pela presidente for precisa.

O conselho incluía outros membros do governo, como o ministro da Fazenda, Antônio Pallocci, e empresários conhecidos, como Jorge Gerdau Johannpeter, Cláudio Haddad e Fabio Barbosa. Segundo o Estadão, Gerdau e Haddad disseram ter-se baseado em informações aparentemente boas e no parecer de um grande banco. Johannpeter declarou desconhecer, como a presidente, as cláusulas mais perigosas, como a “put option”.

Apuração aberta

A cobertura de Veja se diferenciou pelo peso atribuído ao depoimento de um ex-conselheiro da Petrobras. Esse depoimento, segundo a revista, deu razão à presidente: a operação só foi aprovada porque as cláusulas perigosas eram desconhecidas. “Dilma está coberta de razão nesse ponto”, de acordo com a reportagem. Continuação do texto:

Veja ouviu Fabio Barbosa, presidente da Editora Abril, que integrava o conselho de administração da Petrobras quando a compra da refinaria no Texas foi aprovada por unanimidade. Disse Barbosa: ‘A proposta de compra de Pasadena submetida ao conselho em fevereiro de 2006, do qual eu fazia parte, estava inteiramente alinhada com o plano estratégico vigente para a empresa, e o valor da operação estava dentro dos parâmetros do mercado, conforme atestou então um grande banco americano, contratado para esse fim”.

Como complemento, mais uma referência ao resumo entregue aos conselheiros:

“A operação foi aprovada naquela reunião nos termos do relatório executivo apresentado”.

Curiosamente, mesmo com o peso atribuído a esse depoimento a reportagem foi insuficiente para transformar a compra da refinaria em negócio normal, planejado segundo critérios empresariais e montado com um grau razoável de segurança. O esforço de combinar a cobertura de um escândalo com a preservação da imagem de algumas das figuras responsáveis ficou claro desde o subtítulo da capa: “Dilma fez (quase) tudo certo no caso Pasadena, mas o aparelhamento da Petrobras está levando a presidente a sofrer até por suas virtudes”.

Mas o aparelhamento é parte de uma política executada no mais alto nível de governo. Essa mesma política, de alcance muito amplo, tem resultado em perdas enormes para as estatais, por meio da intervenção nos preços, na estratégia de investimentos e na eleição de prioridades. Os jornais têm mostrado isso. Uma excelente síntese foi apresentada na Folha de S. Paulo e no Globo na quarta-feira (19/3). Enquanto o Estado de S.Paulo dava em manchete o furo sobre a participação de Dilma Rousseff no caso Pasadena, Elio Gaspari examinava, em sua coluna, a perda de valor de mercado da Petrobras e da Eletrobrás, cerca de US$ 100 bilhões desde o começo do atual mandato presidencial.

“Isso significa”, observou Gaspari, “que a gestão da doutora comeu um ervanário equivalente à fortuna do homem mais rico do mundo (Bill Gates, com US$ 76 bilhões), mais a do homem mais rico do Brasil (Jorge Paulo Lehmann, com US$ 19,7 bilhões).” O artigo, com o título “O comissariado destruidor”, explora as consequências de erros estratégicos e de jogadas políticas desastrosas, como o controle de preços da gasolina e da eletricidade.

Falta muito para se esgotar essa pauta. Tanto nas estatais quanto nos ministérios há muita história para desenterrar. Boa parte do material deve estar perto da superfície. Bastarão um pouco de esforço e de atenção.

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Rolf Kuntz é jornalista