Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ressuscitando o mensageiro

Na semana em que jornalistas americanos, como veteranos feridos num hospital de campanha na Primeira Guerra Mundial, comemoraram uma boa notícia, dei uma de Cassandra amarga.

Cinco estudantes de jornalismo de uma escola paulista me entrevistavam via Skype para uma pesquisa sobre jornalismo cultural. No final, uma das perguntas provocou minha reação: “Se fossem minhas filhas, ia tentar convencer todas a trocar de curso”. Ouvi um ruído que soou como um balão de ar esvaziando. Senti na hora que estava batendo uma porta na cara das expectativas de cinco jovens que pareciam levar a sério minha experiência. E achei necessário qualificar meu desabafo.

Mas, antes, a boa notícia para as tropas alquebradas. O excelente Pew Research Center divulgou seu novo relatório sobre o estado da mídia americana e, suspeito, psiquiatras com pacientes na minha profissão começaram a diminuir as doses de antidepressivos.

A ver: os últimos meses registraram “uma dose de energia” (tradução: trabalho remunerado para jornalistas) como não se via há anos. Novos “atores digitais” estão sacudindo o mercado, casando tecnologia com o recrutamento de nomes da chamada legacy media (tradução: este jornal é legacy midia, o blog da Gwyneth Paltrow não é). Jornalistas com grande espaço na legacy media como Glenn Greenwald, ex-Guardian, e Ezra Klein, ex-Washington Post, partiram para criar novas organizações digitais sob as asas protetoras dos chamados anjos investidores, como Pierre Omidyar, patrono do Intercept, o site investigativo fundado por Greenwald, Laura Poitras e Jeremy Scahill.

Meu colega correspondente, o craque Andrei Netto, está no grupo fundador do Indie Journalism que deve mostrar a cara daqui a pouco e promete investir na grande reportagem, a vítima inevitável do encolhimento das redações.

Depois de quase três décadas como correspondente da Newsweek, o premiado jornalista Mac Margolis – e colunista bilíngue deste jornal – acaba de assumir a chefia do bureau da revista digital Vocativ no Brasil.

O desafio

A moribunda Newsweek acaba de voltar à versão impressa e o fiasco de sua capa de estreia – um furo sobre o criador da Bitcoin que desmentiu ter qualquer vínculo com a moeda digital – serve de parábola para a necessidade de reinvenção, não de respiração boca a boca.

A fusão de formatos também é motivo para otimismo, com a receita publicitária de vídeo-jornalismo on-line em alta de 44% entre 2012 e 2013.

A outra boa notícia da pesquisa do Pew é o apetite crescente da mídia social por jornalismo e não pelo que a minha prima comeu nas férias em Salvador.

A publicidade ainda dirige dois terços de sua verba às mídias tradicionais e é cedo para saber se a dependência nos anjos investidores vai se transformar em modelos econômicos autônomos para a emergente mídia digital que contratou 5 mil jornalistas em tempo integral nos Estados Unido. A muralha entre editorial e comercial continua a ser desafiada e nenhum caso é mais espetacular do que o da Bloomberg News, que censurou uma longa reportagem investigativa sobre corrupção na cúpula do governo chinês, temendo perder seu lucrativo negócio de aluguel de terminais financeiros. O veterano editor da Bloomberg News, Ben Richardson, renunciou em protesto.

Volto à conversa com as estudantes de jornalismo, que ameaçava terminar num tom depressivo. Expliquei que, na minha geração, as conquistas passavam por outros caminhos e, sejamos francos, exigiam outros pontos de chegada; que assisti, chocada, ao deslocamento, ao descarte e à supressão de figuras que me serviam de farol quando era estudante; que a progressiva extinção da figura do editor, o filtro entre a apuração dos fatos e sua publicação, me horroriza. Sou do tempo em que plataforma era associada à prospecção de petróleo ou a um salto que me fez levar vários tombos.

Podem me acusar de indigestão semântica. Quando usam clichês enganadores como ruptura (alguém faz seu trabalho de graça ou por uma remuneração de fome) e sinergia (semana de 7 dias de trabalho) tenho ganas de separar a transformação óbvia da lavagem cerebral marqueteira. Quando um(a) jornalista veterano(a) se coloca por baixo por falta de intimidade com tecnologia, quando pergunta como consigo filmar, editar, assobiar e chupar cana, respondo que este é o menor dos nossos dilemas.

Não vou conseguir iluminar e gravar um vídeo como meu refinado e experiente cinegrafista. O problema é um público e um mercado que deixem de detectar a diferença entre eu sair de galocha capturando guerrilheiramente a chegada do furacão Sandy e dito cinegrafista fazer uma bela gravação na casa de campo de Philip Roth. Apreciar e garantir o tempo e o lugar para as duas coberturas é o desafio, não tentar nos transformar em malabaristas.

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Lúcia Guimarães é colunista do Estado de S.Paulo, em Nova York