Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A imprensa muito à frente das CPIs

Os jornais saíram muito à frente de qualquer CPI na busca de informações sobre os negócios e perdas da Petrobras dentro e fora do país. No fim de março e no começo de abril, enquanto se discutia no Congresso a criação de uma ou várias comissões de inquérito, o noticiário sobre as duas maiores estatais, Petrobras e Eletrobrás, ocupou seguidamente os cadernos de Política e de Economia e também as primeiras páginas. Se alguma investigação parlamentar for de fato iniciada, montar uma coleção de recortes será uma boa providência preliminar. Mas, à véspera da Copa e da campanha eleitoral, até esse passo parece duvidoso. A inflação em alta, o novo aumento de juros e o déficit comercial do primeiro trimestre foram os outros grandes temas do período.

A semana começou com muito material sobre a compra da refinaria de Pasadena, no Texas. A primeira estimativa de perda, conhecida bem antes, havia ficado restrita às informações básicas sobre o negócio. A estatal brasileira havia comprado por US$ 360 milhões metade de uma refinaria obsoleta adquirida inicialmente pelo grupo belga Astra por US$ 42,5 milhões. Depois, forçada pela Justiça a cumprir um tópico do contrato, a Petrobras havia ficado com toda a instalação. O negócio total havia custado US$ 1,18 bilhão. As novas notícias trouxeram detalhes ainda ignorados pela imprensa e pelo público.

“Cláusula ampliou perda da Petrobrás em US$ 85 mi”, noticiou o Estado de S.Paulo na segunda-feira (31/3). “Decepção com a Petrobrás afasta investidor da Bolsa de Valores”, informou a Folha de S.Paulo no mesmo dia. Na sexta-feira (4/4), o maior destaque foi para outra grande estatal. O Estadão jogou o foco no aumento da conta de luz no próximo ano, previsto entre 8% e 9%. Todos os grandes jornais cuidaram do assunto e a manchete mais forte saiu no Valor: a Eletrobrás deixou de arrecadar R$ 19 bilhões no ano passado, segundo cálculo apresentado por dois minoritários do conselho de administração da empresa. Diante desse número, o prejuízo mostrado nas contas oficiais, R$ 6,3 bilhões, parece muito menos importante.

Repique inflacionário

Para acompanhar as novidades sobre as duas estatais foi necessário ler muito. Em alguns dias os grandes jornais se alternaram na publicação de informações fortes. Em outros, competiram com a apresentação simultânea de material bom e variado e ampliaram a pauta da cobertura. Só um leitor muito ranzinza poderia reclamar desse trabalho. Exemplo de ampliação da pauta: na quinta-feira (3/4), a Folha de S. Paulo informou a decisão da Polícia Federal de investigar a venda, em 2010, da refinaria de San Lorenzo, na Argentina, pela Petrobras.

O noticiário sobre a Eletrobrás tratou basicamente das consequências da política imposta pelo governo para a renovação antecipada de concessões. As normas incluíram contenção de tarifas, foram definidas no fim de 2012 e aplicadas no ano seguinte. A intervenção nos preços serviu para conter os índices de inflação, mas, ainda assim, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 5,91% em 2013, pouco mais que no ano anterior (5,84%), e o expediente custou um dinheirão tanto para o Tesouro (mais de R$ 9 bilhões) e para as elétricas. O novo material divulgado pelos jornais atualizou as informações sobre os custos dessa política. A informação mais sensacional foi a manchete do Valor sobre a estimativa de perda de R$ 19 bilhões de receita para a Eletrobrás.

Poucas vezes no passado – e de fato é difícil lembrar um exemplo – os jornais foram tão longe na investigação dos custos financeiros impostos pelas políticas oficiais às grandes empresas controladas pela União. Não há como negar, neste caso, o cuidado e o empenho do pessoal envolvido na cobertura.

A qualidade foi bem mais desigual na cobertura dos outros grandes temas da primeira semana de abril. O noticiário sobre o resultado do comércio exterior em março e no primeiro trimestre foi mais criativo e menos dependente da entrevista oficial do que nos meses anteriores. As informações sobre o novo aumento de juros decidido pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central ficaram entre dois extremos. Num deles, predominaram as avaliações do pessoal do mercado financeiro e as especulações sobre o prosseguimento ou interrupção das elevações da taxa básica. Esse papo faz sentido principalmente para o pessoal do mercado financeiro.

Na outra ponta, as matérias cuidaram das motivações da alta de juros – a inflação persistente e as preocupações do governo com a inflação num ano de eleições. O material mais amplo e mais detalhado sobre o repique inflacionário apareceu no Valor, na edição de quinta-feira (3). Foi a melhor leitura para quem precisava entender a justificativa técnica da decisão do Copom.

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Rolf Kuntz é jornalista