Dois dos três mais importantes jornais nacionais da França e da Europa, Le Monde e Libération, enfrentam levantes de seus jornalistas contra a direção das duas empresas. A insatisfação é causada por reformas editoriais que vêm sendo realizadas nos dois diários e que colocaram em rota de colisão acionistas e diretores, de um lado, e editores, redatores e repórteres, de outro.
A crise no Le Monde explodiu na terça-feira, quando 7 dos 11 editores-chefes adjuntos pediram para deixar as suas funções por discordar dos rumos das reformas internas e da liderança da diretora do jornal, Natalie Nougayrède, e do presidente do Diretório do Le Monde, Louis Dreyfus. Em comunicado enviado pelos demissionários, eles se dispõem a permanecer em seus cargos até que seus substitutos sejam nomeados, com o objetivo de não perturbar o funcionamento da redação. Mas alegam “ausência de confiança” para não seguirem em seus postos.
“Durante vários meses nós enviamos numerosas mensagens de alerta para assinalar falhas maiores, assim como uma ausência de confiança e de comunicação com a direção da redação que nos impede de cumprir nossos papéis na chefia da redação”, argumentaram os demissionários François Bougon, Vincent Fagot, Julien Laroche-Joubert, Damien Leloup, Cécile Prieur, Françoise Tovo e Nabil Wakin. “Nós tentamos apontar soluções, sem sucesso”.
A demissão também indica o isolamento de Natalie Nougayrède, eleita em março de 2013 com 79,4% dos votos da redação para um mandato de seis anos. Primeira mulher a dirigir o diário, Natalie comanda um processo de reforma e sua migração paulatina do mídia impressa para a digital, o que implica o reforço das operações de web. Sindicatos indicam que pelo menos 60 jornalistas estariam envolvidos em transferências internas ou ameaçados de demissão – informação que o jornal não confirma.
“Nós devemos nos concentrar no essencial, que é recriar o espírito coletivo e a confiança”, disse a jornalista em comunicado à redação, no qual afirma não minimizar “a importância do mal-estar que pode existir na empresa”. “Eu assumirei toda a minha responsabilidade nesse esforço”, garantiu.
Apesar da resposta, a diretora de redação corre risco iminente de sofrer uma moção de censura da Associação dos Redatores do Monde e do Monde Interactif, que se reúne hoje para debater a crise.
Manifesto
Já no Libération a turbulência se arrasta há mais tempo, desde que a direção do jornal anunciou um projeto para reformar sua sede em Paris, com apoio do designer Philippe Starck, que transformaria o prédio em um centro cultural e empresarial do qual a redação faria parte. A intenção foi bloqueada em 8 de fevereiro, quando foi publicada uma reportagem de capa na qual os jornalistas se insurgiram com um manifesto que teve como título “Nós somos um jornal”.
Na segunda-feira [5/5], jornalistas publicaram um novo manifesto para reafirmar os valores do jornal criado por Jean-Paul Sartre às vésperas de mais uma mudança de seus acionistas. “Nós somos jornalistas e devemos questionar tudo”, diz o texto, “a começar pelo nosso trabalho e por como nós o exercemos.”
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Andrei Netto é correspondente do Estado de S.Paulo em Paris