Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Grandes damas do jornalismo

As mulheres reagiram furiosas à demissão de Jill Abramson. Primeira diretora de redação do mais importante jornal do mundo, ela não teve direito às homenagens de praxe ao deixar o prédio do New York Times, pouco antes de o publisher anunciar a sua saída do comando do jornal “por problemas gerenciais”. Dean Baquet, seu sub, acabou a terça-feira [13/5] como o primeiro negro a assumir o cargo de maior prestígio da imprensa americana, mas as jornalistas mulheres não celebraram o novo big boss: foram para as redes sociais expressar a sua frustração com o que ficou subentendido na demissão da antiga chefe.

Por puro acaso, na mesma semana, a francesa Natalie Nougayrède abandonava o papel de primeira mulher a dirigir a redação do Monde e aposentava-se a veterana Barbara Walters, também pioneira como primeira âncora de TV, na ABC, em 1976.

Para as diretoras de redação, não bastou serem jornalistas brilhantes. “Mulheres têm de se adaptar ao poder sem transgredir os papéis femininos”, denuncia a colega Emily Bell no Guardian, sintetizando os milhares de tweets e posts a inundar as redes semana passada. Nas duas redações, o estilo de exercer o poder levou as duas a viver crises: a americana trombou com executivos, a francesa, com a equipe. Nathalie era chamada de Rasputine, Jill de mandona.

Nathalie, 48 anos, enfrentou a rebelião da redação, apenas quinze meses após ser eleita pela sociedade de redatores do Monde com 79,8 % dos votos – no jornalão francês, os acionistas apresentam nomes para o cargo de comando, os jornalistas escolhem entre os candidatos e o eleito é confirmado pelo presidente do grupo. Seis dos onze editores se demitiram em protesto à sua decisão de transferir 50 jornalistas do papel para a plataforma digital, em que ela – e o resto do planeta editorial – decidiu investir. A antiga correspondente em Moscou e Kiev, que começou a carreira cobrindo os países do Leste pós-Muro de Berlim, não conseguiu engajar a equipe no seu projeto de mudanças. Ela pretendia criar um cotidiano para tablet – na linha do Globo A Mais – e reformar o tradicional jornal de centro-esquerda com contas no vermelho – ano passado, um prejuízo de €2,3 milhões.

Tempos turbulentos

“Nos anos 70, os jornalistas do Monde não se adaptavam à máquina de escrever. Ao entrar no digital, o jornal fez uma internet separada, desvinculada da redação, em outro país já teria fechado após anos de prejuízo”, critica Rosental Calmon Alves, professor da Universidade de Austin, Texas.

Dura, agressiva, intransigente foram adjetivos usados para explicar a queda das duas executivas. Nunca antes um diretor de jornal foi demitido por motivos semelhantes, e alguns viraram lendas pelo jeito forte – digamos – de conduzir a redação. Jill tinha décadas de jornalismo e sempre foi conhecida pelas impecáveis credenciais de repórter e o temperamento explosivo. Nos três anos sob o seu comando, o NYT ganhou oito prêmios Pulitzer – o mais importante dos EUA – fechou 2013 com 800 mil assinantes on-line, foi retirado do ar na China em reação às reportagens revelando enriquecimento ilícito dos oligarcas, investiu na história da espionagem revelada por Snowden, marcou época no digital ao criar estilo inovador para noticiar uma nevasca.

“A pequena revolução ficou conhecida como snow fall, e a mesma linguagem foi usada, por exemplo, pelo Globo na versão digital da reportagem do fotógrafo Sebastião Salgado e a colunista Míriam Leitão sobre os índios awá”, conta Rosental.

Na literatura americana sobre mulheres executivas, um dos autores de sucessos é a diretora do Facebook Sherryl Sandberg – cuja pretensão era liderar uma nova revolução feminista – com conselhos do tipo “sorria mesmo sem vontade”, “troque o eu pelo nós”, cuidados úteis, mas difíceis de lembrar na hora de liderar a cobertura de um furacão devastando Nova York ou enfrentar um ciberataque chinês nos computadores da redação exatamente no dia da eleição presidencial de 2012.

Entre os erros de Jill, um teria sido reclamar ao descobrir que estaria ganhando menos do que o antigo diretor, Bill Keller. O NYT negou a discriminação de gênero: Jill, a quinta mulher mais poderosa na lista da Forbes, certamente era um caso excepcional, mas pesquisa do conceituado Pew Research Center mostra que as jornalistas ganham, em média, 87% do salário dos homens, ao ocuparem a mesma função. Elas estão em 35% dos cargos de comando nas redações, uma história com poucas mudanças nos últimos 15 anos.

Não é fácil ser mulher, jornalista competente, executiva de sucesso, seja aqui, na França ou nos EUA. Nas regras rígidas desse clube também é preciso ser assertiva mas não agressiva, nem tão forte a ponto de incomodar nem tão fraca que pareça uma mulher do passado. Nestes tempos tumultuados para a mídia em busca de um novo caminho, as jovens do NYT mostraram nas redes sociais preferir o modelo Jill de jornalismo em vez de acreditar em gente transformada em personagem de seriado malfeito.

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Helena Celestino, do Globo