Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

‘The New York Times’ substitui sua diretora

Jill Abramson, a primeira mulher a dirigir o The New York Times, deixou nesta quarta-feira o cargo, que ocupava há quase três anos, segundo anunciou o editor e presidente do diário, Arthur Sulzberger Jr. Será substituída pelo número dois de Abramson, Dean Baquet, que se converterá no primeiro afro-americano à frente do jornal mais prestigioso dos Estados Unidos.

A troca, da qual se desconhecem as causas exatas, foi inesperada e comocionou a venerável Dama Cinza, como é conhecida no jornal. Abramson, uma jornalista de investigação veterana que dirigia a sucursal em Washington, chegou à direção em setembro de 2011. Assumiu o cargo – editora executiva, na terminologia norte-americana – ao mesmo tempo que seu até agora editor-gestor ou diretor anexo, Baquet.

Em um discurso para a redação, Sulzberger atribuiu a alteração a “um problema com o gerenciamento da redação”, segundo um tuíte de Ravi Somaiya, o jornalista do The New York Times que cobriu a notícia. Sulzberger não especificou qual era o problema.

Alguns minutos depois, Abramson, que não assistiu ao discurso, tinha desaparecido do cabeçalho do jornal, que pode ser acessado na versão digital. Ninguém escondeu que sua saída era involuntária. As ações do The New York Times Co. em Wall Street fecharam com uma baixa de 4,5%.

Sob a liderança de Abramson, o Times começou um sistema de assinatura digital, além de vários novos produtos online. A já ex-diretora, uma orgulhosa nova-iorquina que cresceu lendo The New York Times, leva a T gótica do título do diário tatuada nas costas.

“Adorei dirigir o Times”, disse Abramson, de 60 anos, em uma declaração escrita. “Pude trabalhar com os melhores jornalistas do mundo e fazer um jornalismo vigoroso”. Um de seus sucessos, acrescenta, foi a nomeação de mulheres em cargos diretivos. Também destaca a cobertura sobre a China e as investigações sobre o secretismo governamental nos EUA, bem como a transição à edição digital.

O trauma de ser atropelada por um caminhão

Abramson é uma repórter pura, criada nas melhores equipes de investigação da imprensa norte-americana. Durante a campanha para as eleições presidenciais de 2012, quando já era diretora do Times, foi vista em hotéis e comícios do pequeno estado de Iowa. Foi até lá para cobrir com seus repórteres os caucus (assembleias de eleição), um dos momentos mais eletrizantes da política dos EUA.

Baquet, de 57 anos, também é um jornalista experiente. Dirigiu no passado o jornal Los Angeles Times. Em 1988 ganhou um prêmio Pulitzer na categoria de jornalismo de investigação. “É uma honra”, disse depois de saber da nomeação, “que me peçam para dirigir a única redação do país que está melhor agora que há uma geração.”

Sulzberger anunciou a decisão em uma reunião com responsáveis pelo diário. Depois, a comunicou à redação, com pena pela súbita saída de Abramson e contente pela chegada de Baquet, segundo a crônica do próprio diário. “Não há nenhum jornalista melhor qualificado em nossa redação nem em nenhum outro local para assumir a responsabilidade de diretor neste momento”, disse Sulzberger em alusão a Baquet.

Qualquer mudança na direção do The New York Times, e ainda mais se é surpresa, provoca um pequeno terremoto no mundo dos meios de comunicação dos EUA. O diário é uma espécie de padrão ouro do jornalismo norte-americano: seus tropeços durante a guerra do Iraque, por exemplo, refletiram os erros da imprensa naqueles anos; sua adaptação ao meio digital se estuda como um script a seguir pelos concorrentes. Era o único grande jornal dirigido por uma mulher; agora será o único dirigido por um negro: um marco no setor.

A destituição, que ninguém previu, desatou as especulações sobre os motivos. No discurso à redação, Sulzberger disse que não tinha nada a ver com questões jornalísticas, com a direção da redação nem com a relação entre ela e os departamentos jornalísticos e de negócios do diário.

“A impaciência de Sulzberger com Abramson só aumentava”, escreve em The New Yorker Ken Auletta, um dos jornalistas melhor informados sobre o setor da comunicação nos EUA. Auletta cita, entre outros motivos de desacordo, questões salariais.

O diário Politico destaca em sua crônica sobre a demissão as más relações entre a diretora e o novo diretor do Times, Mark Thompson, que chegou ao jornal nova-iorquino procedente da BBC. Em um artigo publicado em abril de 2013, Politico descrevia Abramson como uma pessoa “teimosa e condescendente”, uma diretora com a qual, segundo alguns jornalistas do diário, era “difícil trabalhar”. O artigo, acusado de sexista, se baseava em fontes anônimas.

“[O artigo de Politico] me pareceu ofensivo e mal-intencionado, mas é parte do trabalho; é assim”, disse meses depois Abramson em umaentrevista à revista The New Republic. Na mesma entrevista, Abramson definiu seu estilo jornalístico: “Acho que qualquer grande diário insiste intensamente em investigar para conseguir a história que se esconde por trás da história. Isto aprendi quando trabalhava no velho Wall Street Journal, dirigido por Norm Pearlstine. Aquele Wall Street Journal só dava duas histórias noticiosas longas na primeira página. Qualquer súplica para que seus artigos estivessem na capa devia estar à altura deste alto nível de exigência.”

Abramson publicou seu último artigo em The New York Times em 2 de maio. Relatava o trauma físico e psíquico que foi ter sido atropelada por um caminhão, nas ruas de Manhattan, em 7 de maio de 2007. “Pela primeira vez em minha vida, me deprimi gravemente”, escreveu.

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Em busca de motivos para a demissão

Marc Bassets # Reproduzido do El País Brasil, 16/5/2014; título original: “Em busca de motivos para a abrupta troca de comando no ‘New York Times’”

 

A nomeação de Jill Abramson para a direção do The New York Times, em setembro de 2011, foi comemorada como um avance histórico: pela primeira vez uma mulher assumia o comando do jornal de referência nos Estados Unidos. Sua inesperada demissão, que na quarta-feira coincidiu com o desligamento da diretora do francês Le Monde, outra referência da imprensa de qualidade, despertou o debate sobre os motivos da decisão.

O editor do diário e presidente da empresa The New York Times Company, Arthur Sulzberger Jr, limitou-se a dizer à redação que a substituição obedecia a um problema de gestão. De forma imediata, o diretor-adjunto e número dois de Abramson, Dean Baquet, a substituiu. Baquet é o primeiro afro-americano a dirigir o Times.

Na edição impressa da quinta-feira todos os rastros de Abramson haviam desaparecido. Seu nome não aparece no expediente, onde constam todos os cargos de direção do jornal.

“Arthur Sulzberger e o diretor-presidente, Mark Thompson, tomaram a decisão que tem a ver com os interesses do diário, mas também com seus próprios interesses”, disse em Nova York Michael Wolff, fundador do site Newser, colunista sobre meios de comunicação e biógrafo do magnata do setor, Rupert Murdoch. “Dizem”, acrescenta, “que são eles que tomam a decisão e que a redação não é um lugar autônomo. Para o The New York Times, e isso caminha nessa direção já há algum tempo, é novamente um passo para deixar claro que a área da gestão controla a redação”.

Abramson incomodou a direção quando se queixou por seu salário, segundo a The New Yorker

Wolff se refere à disputa entre o departamento jornalístico do Times e a parte de negócios, historicamente separados por um “muro” simbólico”, dificilmente quebrado.

Por seu caráter inesperado e pela aparente ausência de uma causa concreta, a substituição mexeu com o setor jornalístico. Da mesma maneira que a nomeação de Abramson foi interpretada como um trunfo feminista, várias análises sobre sua personalidade e sua carreira se concentram na ótica sexista.

Abramson incomodou a direção da empresa ao queixar-se de que seu salário e os benefícios em pensões eram inferiores aos de seu antecessor no cargo, Bill Keller. É o que revela Ken Auletta na revista The New Yorker, um dos jornalistas mais bem informados e exigentes sobre o setor. Auletta diz que Abramson também descobriu que, quando ocupava o cargo de diretora-adjunta, um vice-diretor adjunto – quer dizer, um cargo inferior ao seu – ganhava mais do que ela.

“O salário não teve nenhum papel em minha decisão de que Jill não pudesse continuar como diretora, nem tampouco houve nenhuma discussão sobre compensação”, disse Sulzberger em um comunicado. “A razão, a única razão, foi minha preocupação por alguns aspectos da gestão de Jill na redação, que já havia deixado clara, tanto frente a frente quanto em minha avaliação anual.”

Sulzberger também disse que a remuneração de Abramson era “comparável” à de seus diretores anteriores. Uma possível explicação da diferença é o menor tempo de casa de Abramson no Times em comparação com Keller.

Um artigo no Político há um ano descreveu a diretora como uma pessoa “teimosa e aquiescente”

As exigências salariais de Abramson alimentaram sua imagem de mulher agressiva, segundo Auletta. Seu aparente mau gênio – o próprio Times, no comunicado de demissão, a descreve com uma mulher de humor instável – foi outro motivo usado para explicar a decisão de Sulzberger.

O talento de Abramson como jornalista de investigação, conseguido em uma carreira brilhante no The Wall Street Journal, primeiro, e no Times, depois, não lhe serviram para administrar uma das redações mais complicadas do mundo. Em um artigo publicado há mais de um ano, o jornal Politico, foi porta-voz das queixas de vários jornalistas do diário que, amparados pelo anonimato, a descreviam como uma pessoa “teimosa e aquiescente” com quem era “difícil trabalhar”. O Político relatou um episódio no qual Baquet, depois de receber uma bronca de Abramson, deu um golpe em uma parede da redação.

A pergunta é se, aplicados a um diretor homem, estas críticas – ser uma chefe exigente e antipática – teriam sido tão negativas como foram para Abramson. Michael Wolff lembra que ele mesmo começou a trabalhar no The New York Times nos anos sessenta e, naquela época, “ser um diretor com o qual fosse difícil trabalhar não era algo novo”.

Um dos históricos diretores do Times, A.M Rosenthal, durou 17 anos no cargo sem que seu caráter colérico e combativo fosse um problema. Seu sucessor, Max Frankel, o descreveu em um livro como alguém com “a reputação de ter um critério de informação brilhante e instintivo junto a um estilo de gestão intimidante e centrado em si mesmo”.

As críticas à personalidade da jornalista e o conflito salarial propiciam leituras pela ótica sexista

No caso de Abramson, os relatos mencionam outros motivos por sua demissão, além do caráter e estilo. OThe New York Times refletiu a raiva de Baquet depois de saber que Abramson queria contratar Jasmine Gibson, diretora do jornal The Guardian nos Estados Unidos, e responsável pela cobertura sobre espionagem eletrônica da NSA.

O Times perdeu a exclusiva da NSA – que ganhou o prêmio Pulitzer – para o The Guardian, um veículo de comunicação britânico relativamente novo nos EUA. Gibson, que ao final não foi contratada, iria dividir o posto de diretora-adjunta com Baquet.

Abramson recebeu críticas internas pelo ritmo de adaptação do meio impresso ao digital. Um relatório coordenado por Arthur Gregg Sulzberg, filho do editor-presidente, divulgado pelo site Buzzfeed, descreve uma redação ainda orientada para o papel, com perda de leitores e ameaçada – ou já superada – por meios de internet menores e mais ágeis. O relatório questiona a sacrossanta separação entre “igreja e Estado”, a metáfora que na redação do Times indica a divisão entre a parte administrativa e jornalística do diário. “O ritmo de mudança em nosso setor exige que caminhemos mais rápido”, diz o relatório.

Abramson não é a primeira pessoa a ocupar a direção e abandoná-la antes do tempo. Em 2003, depois do escândalo dos plágios de um jornalista do diário, Sulzberger demitiu o diretor, Howell Raines. Estava há dois anos no cargo.

Michael Wolff vê três possíveis explicações para as mudanças constantes à frente do Times. “Pode significar que identificam um problema e tomam uma atitude”, dizem. “Também se poderia dizer que não são capazes de gerenciar nada, que sempre se metem em situações difíceis com as relações públicas. Ou se poderia dizer que agem assim para enviar uma mensagem muito certeira: o management está sob controle e, nestes tempos difíceis, quem assume a responsabilidade é quem controla.” Wolff aposta na terceira explicação.

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Marc Bassets, do El País, em Washington