Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

‘Acredito no jornalismo como serviço público’

Alan Rusbridger, diretor de The Guardian, ganhou o prêmio Ortega y Gasset pela melhor trajetória profissional. O júri destacou “sua luta pela defesa do jornalismo e da informação ao cidadão”. Alan Rusbridger respondeu às perguntas dos leitores sobre sua trajetória profissional e os desafios do jornalismo.

Senhor Rusbridge, boa tarde. Quais são, na sua opinião, os desafios que o jornalismo do século XXI deve enfrentar, frente ao avanço que estão experimentando as novas tecnologias? Um afetuoso abraço

Alan Rusbridger – Temos que averiguar o que pode ser feito no campo do jornalismo, mas também como o que fazemos se encaixa com todo o resto que está acontecendo dentro desta revolução extraordinária. Vivemos em um mundo no qual qualquer um hoje pode ser editor e criador. Como nosso jornalismo se encaixa neste novo ecossistema jornalístico de escrever, vídeo, distribuição, resposta e compartilhamento? O que é só nós podemos fazer? Estas são as grandes perguntas. E nos ajudam a pensar nos modelos econômicos. E também as perguntas difíceis de como os jornalistas e técnicos podem trabalhar melhor durante esta transição. O jornalismo sempre será necessário. A oportunidade nunca foi maior, mas é preciso que nos adaptemos e aceitemos a mudança em vez de lutar contra ela.

Como surgiu no senhor a vocação de ser jornalista?

A.R. – Quando estava na universidade já comecei a trabalhar em jornais durante as férias. Desde o meu primeiro dia em uma redação nunca quis fazer outra coisa. Continuo acreditando com muita paixão na ideia do jornalismo como uma forma de serviço público e desfrutei todos (mais ou menos) os dias em meu trabalho.

Olá Alan Por que não fazem uma edição em espanhol? Felicidades.

A.R. – Fizemos algumas experiências traduzindo nosso jornalismo a outros idiomas – árabe, espanhol, chinês, por exemplo. A tradução de conteúdo é cada vez mais fácil e mais barata – e há um apetite global por nosso jornalismo; de gente que aprecia que muitos dos grandes temas de hoje – economia, segurança, meio-ambiente, cultura- não podem ser entendidos, a não ser como temas globais. Então, a tradução é algo que vamos continuar pensando.

Acha que The Guardian poderá se sustentar com um paywall? Um negócio como uma revista seria melhor para um paywall do que um jornal diário? O que pensa do formato do negócio? Obrigado.

A.R. – Nunca fechamos a porta à ideia de um paywall (muro de pagamento). Mas ninguém dentro do Grupo Guardian Media (nem comercial nem editorial) está defendendo este modelo. Nossos ingressos digitais estão crescendo muito rapidamente graças à audiência enorme que conquistamos (100 milhões de visitantes únicos por mês). O plano neste momento é continuar por este caminho de crescimento. Não queremos pará-lo colocando uma barreira entre nós e nossos leitores. Isso não quer dizer que o modelo seja o ideal para todos os meios. É muito saudável que as pessoas apostem em modelos diferentes. As revistas são diferentes dos jornais. Um jornal de Nova York pode ser ou não uma referência para uma publicação de Madri, Delhi ou Edimburgo. Suspeito que, no final, não existirá apenas um modelo. Vamos acabar tomando estradas diferentes. E isso é saudável.

Há vida para o papel nos meios escritos? Por que os grandes meios estão se adaptando tão tarde e tão mal à Internet? Obrigado

A.R. – Os meios de comunicação impressos são uma parte essencial e muito querida do que fazem os jornalistas e assim continuará sendo no futuro próximo. A maioria dos jornalistas entende – na maioria dos países ocidentais – que o jornalismo impresso está em decliínio, e que se adaptar às tecnologias digitais vai ser muito importante para nossa sobrevivência. A inovação digital (nos computadores, em redes socais, em dispositivos móveis, dados, vídeo e demais) precisa se desenvolver ao mesmo tempo em que se produz um apoio aos meios impressos. Mas isso não é fácil. Muitos jornais demoraram muito para perceber a rapidez desta mudança e só se preocupavam em não canibalizar seus próprios produtos e conteúdos. Realizar esta mudança é uma tarefa incrivelmente difícil em qualquer indústria ou organização. Nisto, o jornalismo não é uma exceção.

Houve alguma ocasião em que as pressões, que o senhor entendeu nesse momento serem justificadas e com argumento, de parte dos serviços de inteligência impediram a publicação de uma notícia?

A.R. – Nós tivemos conversas mais ou menos adultas com alguns dos serviços secretos do Reino Unido e Estados Unidos durante a investigação do caso Snowden. Algumas vezes sofremos pressão, às vezes tentavam nos persuadir a não publicar certas coisas. Às vezes estávamos de acordo; mas às vezes, não. Alguns políticos tentavam passar por cima de mim e convencer o conselho ou a empresa a me calar. Por sorte, The Guardian e seu grupo editor têm uma estrutura que impede que este tipo de pressão consiga bloquear uma informação.

Acha que as redes sociais nos ajudam a construir um jornalismo mais livre?

A.R. – As redes sociais vão ajudar a construir formas de conhecimento mais livres, sem dúvida. Países como a Turquia viram que é mais ou menos impossível bloquear o acesso às redes como Twitter; há muitos atalhos. Inclusive a China, que tem um alto nível de sofisticação para bloquear informação com a qual não está de acordo, acha difícil conter as organizações de notícias como The New York Times. Agora, qualquer pessoa pode divulgar informações relevantes e compartilhá-las. Os antigos monopólios de informação fizeram grandes coisas, mas estão enfrentando o desafio de novas forças muito poderosas, que também podem desafiar o poder estabelecido.

Gostaria de começar parabenizando-o por seu prêmio, que, certamente, é merecido. Minha pergunta é: Acha que os meios especializados no Reino e EUA fizeram o suficiente para avisar dos perigos que a economia enfrentava antes de 2007? Obrigado.

A.R. – A Rainha formulou melhor a pergunta: “Por que ninguém viu que estava chegando?” Claro, houve escritores e jornalistas que faziam perguntas difíceis ou afirmavam que as coisas não podiam continuar assim (veja, por exemplo as colunas de Larry Elliot no The Guardian. Mas é verdade que muitas pessoas que deveriam ter conhecimento da situação não fizeram o suficiente para nos avisar de que estávamos caindo por um barranco.

Considera que somos realmente livres para escolher a informação que lemos dos meios?

A.R. – Essa pergunta é muito difícil de responder! Depende de quem publique: o dono, o país, a região, as leis… Mas há muitas organizações de notícias muito boas, livres e independentes no mundo.

O senhor diz que o Twitter revolucionou o jornalismo, qual é o principal uso que os jornalistas fazem desta rede social?

A.R. – Quase todos os jornalistas que conheço têm Tweetdeck abertos em suas telas todo o dia. Dividir Twitter por tema ajuda a acompanhar muitos temas ao mesmo tempo. É como ter um exército de investigadores. Seguir as notícias de última hora é outra maneira de usá-lo. Ter acesso a um amplo leque de opiniões e análises dos temas é outra. E, claro, está o “fator push”, a capacidade de distribuir suas próprias notícias através desse canal. Compartilhar e distribuir o material que você mesmo criou para chegar a mais ampla audiência possível. E tudo isto, grátis! Como podíamos existir antes do Twitter?

Como se pode garantir a independência do jornalismo frente ao crescente poder dos bancos, das multinacionais e dos governos?

A.R. – Os jornalistas e os meios devem ser independentes de qualquer tipo de influência ou poder. Na opinião de alguns historiadores, o fato de que os meios contassem com publicidade garantiu liberdade, já que antes estavam submetidos aos partidos políticos. Então, a publicidade em si não deve ser uma ameaça, sempre que existam regras que estabeleçam como manter a independência do jornalismo. Não é preciso dizer que os jornalistas devem se blindar frente ao poder político e outras formas de pressão.

Por que deixaram de fazer aquela versão internacional semanal que incluía também as melhores matérias de jornais europeus? Era muito boa. Obrigada

A.R. – Continuamos publicando! http://www.theguardian.com/weekly