Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O desafio de traduzir os números do PIB

O consumidor gastou menos, o empresário adiou a compra de máquinas, o governo atrasou seus projetos e a produção da indústria encolheu mais uma vez. A economia cresceu só 0,2% no primeiro trimestre ­– e um resultado pior só foi evitado, de novo, graças à agricultura, o setor mais eficiente. Este é o mais breve resumo da notícia econômica mais esperada do mês, manchete obrigatória das edições de sábado (31/5). Os novos números do produto interno bruto (PIB) foram divulgados na sexta de manhã pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O desafio de redatores e editores, como de costume, era selecionar e organizar os dados e dar sentido àquele monte de valores e porcentagens.

Também como de costume, boa parte do trabalho consistiu em ouvir opiniões e interpretações de economistas de consultorias e do mercado financeiro, além, é claro, de autoridades e do pessoal do IBGE. O ministro da Fazenda Guido Mantega atribuiu o baixo crescimento às condições internacionais e à inflação. A alta de preços, segundo ele, afetou o bolso e o comportamento dos consumidores. Ao perceber o enfraquecimento do consumo, os empresários desistiram de investir para aumentar a capacidade produtiva. Estado de S. Paulo e Globo citaram a explicação do ministro em manchete, mas construíram a história, nas páginas de Economia, principalmente com auxílio de outras fontes.

Para checar as opiniões de Mantega bastaria examinar os números de um período mais longo. A inflação havia sido diferente em outros anos, a partir de 2011? Não muito. Taxas próximas de 6% ao ano têm sido frequentes. O consumo havia crescido nesse período? Com certeza. No entanto, a taxa de investimento caiu seguidamente desde o começo do atual governo. Isso foi mostrado num gráfico muito claro, no relatório oficial. Outros países cresceram mais que o Brasil, mesmo com o ambiente externo desfavorável? Bem mais, e qualquer um pode checar os dados em cinco minutos. Não seria preciso recorrer a entrevistados para responder a essas perguntas.

Hábito saudável

De toda forma, a retórica do ministro acabou ocupando pouco espaço. Outra fonte oficial, a gerente de Contas Nacionais do IBGE, Rebecca Palis, ofereceu uma explicação bem articulada, mas suas palavras quase se perderam no meio de comentários de outras figuras. O Globo aproveitousua pista principal: segundo a economista, o investimento em queda puxou para baixo o PIB, isto é, travou seu crescimento. Outra parte da declaração apareceu na Folha de S. Paulo.

Segundo o texto da Folha, o recuo do investimento foi provocado principalmente pelo tombo da construção civil: “O setor apresentou a maior retração desde o primeiro trimestre de 2009”. Em seguida, foi citada a gerente do IBGE: “Para Rebecca Palis, a queda da construção veio em resposta à perda de ritmo de obras de infraestrutura, que caíram apesar das novas concessões públicas (rodovias, portos, aeroportos) e da Copa – cujo pico dos projetos de estádios e melhorias no entorno ficou para trás, em 2013”.

A isso seria preciso adicionar, é claro, a retração das encomendas e da fabricação de máquinas e equipamentos. Para explicar esse ponto, o jornal repetiu, sem citação e talvez sem intenção, o argumento do ministro da Fazenda: sem expectativa de mais consumo, os empresários deixaram de cuidar do aumento da capacidade. Mas essa explicação – vale repetir – serviria para outros anos de muito consumo e pouco investimento?

Uma referência ao desempenho da indústria nos últimos anos talvez ajudasse a esclarecer o assunto. A produção industrial caiu três vezes consecutivas, entre o terceiro trimestre do ano passado e o primeiro deste ano. O setor entrou em recessão, alertou o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), citado no Estadão.Além disso, os índices do IBGE mostram uma história de estagnação, e até de recuos, desde 2012. As dificuldades da indústria aparecem até mais claramente quando se examina o comércio exterior de manufaturados, com perda de espaço até na América do Sul e no mercado interno. São dados acessíveis com poucos cliques.

No balanço geral, a imprensa acabou oferecendo um material satisfatório sobre as contas nacionais, mas poderia ter proporcionado uma informação melhor e mais organizada. Para um quadro mais claro os leitores dependeram de mais de um jornal. De todo modo, ler mais de um por dia é sempre saudável. A variedade de informações e de enfoques, tão irritante para alguns grupos, ainda pode ser uma vacina contra o autoritarismo.

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Rolf Kuntz é jornalista