O maior evento esportivo do mundo começa no Brasil esta semana. Não falarei hoje sobre a paixão nacional e, antes que algum “urubólogo” venha dizer que a fuga do tema é um protesto velado contra a Copa do Mundo, antecipo que não é. Sou apaixonado por futebol, réu confesso. Mas neste mês de junho, a mesma técnica que vai eternizar em imagens os gols de Cristiano Ronaldo, Messi e Neymar também nos lembra o que a mídia tanto faz questão de tentar esquecer. Os 25 anos do massacre da Praça da Paz Celestial, na China, e os 20 anos do genocídio em Ruanda.
Este espaço não abriga fotografias e o exercício de descrever uma ou outra na maioria das vezes é passível de falha. Ainda assim, duvido que alguém com mais de trinta anos não se lembre da imagem de um homem a pé, sozinho e desarmado impedindo o avanço dos tanques de guerra do exército chinês. Há controvérsias sobre o número de mortes oficiais com variação de mais de mil entre uma fonte e outra. Na falta de uma cobertura mais completa, alguns jornais americanos questionam até se o homem diante dos tanques era mesmo um manifestante.
Em Ruanda, no episódio um pouco mais recente, não há o que se contestar. Foram cerca de 800 mil pessoas assassinadas no maior genocídio que a humanidade já viu. O fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado conta com tristeza em seu último livro, Da minha terra à Terra (Paralela, 2014, 160 p.), ter visto rios inteiros cobertos por corpos, de uma margem a outra. Essas fotografias não são tão famosas, mas são registros históricos bastante acessíveis. E quem não conhece recomendo que procure no Google. São assustadoras.
Instrumento de defesa
Comparando a fotografia do massacre na China com alguma do genocídio em Ruanda vemos que as duas têm características bem distintas. A primeira é mais representativa, tem aspecto subjetivo e conduz o observador a fazer uma leitura visual mais apurada. A segunda é contundente, vai direto ao ponto; apresenta um caráter de denúncia e, ao mesmo tempo, registro histórico. O que ambas carregam em comum é o uso da imagem em defesa dos direitos humanos.
Também tem muita subjetividade a fotografia da menina afegã Sharbat Gula, clicada por Steve McCurry e considerada a capa mais famosa da história da revista National Geographic. O vermelho do chão coberto de sangue logo após o massacre do Carandiru tem aspecto mais ligado à denúncia. Algumas imagens, entretanto, trazem as duas características juntas, como a famosa foto da menina vietnamita nua, gritando de dor após ter sido atingida por uma bomba de napalm.
Tantas imagens são importantes, cada uma em seu tempo. O “Dia D” do desembarque na Normandia que marcou o fim da Segunda Guerra Mundial, em junho de 1944; a passeata dos cem mil em junho de 1968, no Rio de Janeiro, ou, no mesmo tema, os protestos de junho de 2013 em tantas cidades brasileiras. E ainda as fotografias de buraco, de esgoto, de presídio, que denunciam todos os dias a realidade extrema das tantas pessoas que vivem em um sistema social de exclusão. Fotografia é lazer, sim, mas também é arte, documento e instrumento de defesa por todos e para todos.
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Felipe Gesteira é jornalista