A desinformação pode ser uma grande aliada para o descrédito e a desonra infligida a terceiros. Já faz tempo, Rodrigo Constantino, colunista de Veja e de O Globo, vem publicando matérias, em especial em seu blog, sobre supostas posturas indevidas da Fiocruz e, em especial, a acomodação ideológica de esquerda da instituição. Sua última investida (http://migre.me/jQ9nk) foi contra uma pesquisa feita pela fundação, a “Nascer no Brasil”, desmerecendo, ao fim e ao cabo, uma luta de anos de ginecologistas e obstetras: a humanização do parto no Brasil. Assim como o articulista referido, não sou especialista no assunto, porém convivo com uma médica em casa, ginecologista obstetra, que dedicou sua vida ao serviço público de saúde. Pude acompanhar, de perto, o seu esforço para mudar um quadro alarmante de mortalidade infantil e complicações pós-cesárea no país.
Como se não bastasse escrever sobre o que não entende – ignorando propositadamente o quase impenetrável corporativismo de parte da classe médica – o colunista faz uma acusação desmedida, mas muito bem elaborada para seu objetivo que, aliás, é sempre o mesmo, como se tivesse a tocar uma vitrola com defeito: provar que a Fiocruz é uma versão moderna e abrasileirada de um soviete marxista. Notem: por um lado, indicativos de pesquisas respeitadas de organizações nacionais e internacionais (http://migre.me/jQ9V1) contradizem os seus argumentos e os dos médicos a que recorre, e por outro, seu conhecimento sobre a situação atual da Fiocruz é, para dizer o mínimo, embaraçoso e constrangedor.
A excelência da fundação é reconhecida e não é preciso repetir aqui dados a esse respeito, já que a própria o fez em nota recente (http://migre.me/jQa1Y). O que é difícil de compreender (especialmente para quem foi treinado por uma historiografia séria) é como o devido colunista é capaz de relacionar inúmeras atividades da instituição a uma ação deliberadamente “comunista”. Ele age (e, pasmem, com seriedade!) como se ainda pairasse sobre nossas cabeças uma ameaça revolucionária bolchevique, como se ainda vivêssemos a histeria coletiva de uma classe média reacionária que marcou os últimos dias de João Goulart no poder. Seu discurso, satírico e espalhafatoso, talvez seja mesmo a rebarba desses grupelhos de meia dúzia de saudosos do golpe de 64 que envergonharam o país ao sair às ruas, mas que foram, para nosso alívio, retumbantemente ignorados. Para alguém que se orgulha tanto de prover seus leitores de um conhecimento refinado sobre o conservadorismo, falta-lhe, isto sim, perspectiva histórica.
Conspiração de desvairados
Não sejamos ingênuos, porém. Como bem apontou Miriam Leitão em artigo recente (http://migre.me/jQapH), esta é uma estratégia maniqueísta e reducionista, mas com muita capacidade de agregação. Talvez mesmo pela simplicidade rasteira, pelo tom monocórdico, pela indelicadeza, enfim, por fatores que hoje predominam de modo geral entre aqueles que compõem a sua audiência. É compreensível que muita gente resvale, desavisadamente, para um anacronismo grosseiro. Historiadores de formação, constatamos isso diariamente. No caso aqui, entretanto, é sensato distinguir políticas públicas “esmeradas” e, por que não, “progressistas”, do que é classificado, a torto e a direito, como “comunismo” pelo detrator.
Desqualificar de forma irresponsável e um tanto tortuosa uma instituição do porte e da competência da Fiocruz, que sobreviveu a inúmeros governos e regimes de composições doutrinárias as mais diversas é, no mínimo, indecoroso. Seria prudente, ao menos, se certificar das informações coletadas, a fim de evitar um posicionamento decididamente ideológico, do qual o autor sempre acusa seus adversários, mas que é, ele mesmo, réu não confesso.
Bastaria o básico para desmenti-lo. Por exemplo, uma reportagem in loco com os alunos dos cursos de pós-graduação da Fundação. Pois bem, aproveito a oportunidade e lhe ofereço um testemunho pessoal: quando ingressados, somos bem recebidos, bem orientados, informados dos problemas e dos avanços enfrentados pelos profissionais que ali atuam, enfim, acolhidos em uma comunidade científica capacitada. Não há rigorosamente nada, um único indício, de que esteja em marcha uma conspiração de comunas desvairados…
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Filipe Pinto Monteiro é historiador e doutorando do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde