A liberdade de imprensa é um valor importante e condição necessária para uma sociedade democrática, mas não é condição suficiente para a democracia. Por quê? Simplesmente porque, nos últimos 200 anos, vimos a transformação da imprensa em empresa de mercado capitalista, cuja mercadoria é a informação e cujos interesses estão em jogo com os demais interesses do capital. A liberdade de imprensa deve garantir que os jornais não sofram a pressão dos governos, mas também deveria garantir mecanismos contra a pressão do mercado. Contudo, como as empresas de jornalismo são empresas de mercado, parecem estar no seu habitat natural. Desta forma, como fica a noção de “opinião pública”?
Para responder a este aspecto, retomo artigo de Luciano Martins da Costa, publicado no Observatório da Imprensa em 17/04/2014:
“Poderíamos conversar durante horas sobre o fato evidente de que a maior parte daquilo que é apresentado como ‘opinião pública’ pela imprensa não passa de um retrato instantâneo de certo estado emocional provocado pelo impacto do noticiário. E o noticiário, como sabemos, é definido pelo potencial de espetáculo que cada elemento de informação é capaz de produzir. Assim, um escândalo de R$ 10 milhões no âmbito federal é mais valioso do que um malfeito de R$ 100 milhões na instância do município ou do estado, dependendo, é claro, de quem seja o governante da ocasião” (ver “A desinformação como estratégia“).
Portanto, o uso político pela imprensa, da “opinião pública”, para defender seus próprios interesses corporativos como sendo de “interesse público”, atacando determinados governantes e poupando outros que lhes oferecem benefícios, direta ou indiretamente, comprometem o exercício da liberdade de imprensa. Assim, vemos transformado o direito de liberdade de imprensa em “liberdade de empresa”, como diz Venício Arthur de Lima, professor aposentado da UnB. Os jornalistas que buscam usar do direito da liberdade de imprensa para produzir informação para a sociedade, independente dos interesses privados ou governamentais, muitas vezes são censurados dentro da própria empresa jornalística, pois tais informações vão contra os seus interesses no mercado.
Diante desse quadro nacional, em que a imprensa trabalha com a desinformação como estratégia, como analisa Luciano Martins da Costa no Observatório da Imprensa, a aprovação do Marco Civil da Internet no Brasil, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, e a sanção pela presidenta Dilma Rousseff, é um marco fundamental para os novos tempos. Hoje, os próprios leitores de jornais, da mídia digital e da mídia eletrônica, podem fazer um exercício de ampliação, contextualização, avaliação e crítica do processo de desinformação da imprensa brasileira. A garantia da “neutralidade da rede” é algo que agora é oficial no papel, mas os homens e mulheres brasileiros, no exercício de sua cidadania, precisam ficar atentos para fiscalizar a ação das empresas de telecomunicações para que não criem pacotes diferenciados, com preços mais altos para quem publica ou tem acesso a vídeos e arquivos maiores na rede. Nos tempos atuais, o cidadão também produz informação, não somente a imprensa. Desta forma, é preciso garantir também o direito de publicar e de ser lido/acessado/visto de cada um dos cidadãos, sem nenhum tipo de discriminação ou cobrança diferenciada de valores em relação à qualidade da velocidade dos dados. É desta forma que poderemos manter a qualidade da liberdade de imprensa, no exercício cidadão de comentar, qualificar, criticar, mostrar sucessos, contradições e erros da cobertura jornalística.
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Juciano de Sousa Lacerda é jornalista e docente do mestrado em Estudos da Mídia da UFRN