Teclas de computador frenéticas, burburinho de pessoas conversando, reunião de pauta na sala ao lado, som das televisões ligadas em canais de notícia. Não é difícil supor que essa é a descrição do ambiente de uma redação jornalística. No entanto, em meio a artefatos e cenas típicas, surge um novo elemento: uma grande tela que exibe, em tempo real, as métricas registradas pelo Google Analytics. Esse software do Google monitora o percurso dos usuários nos sites cadastrados e sistematiza uma série de registros, tais como origem dos acessos, páginas mais acessadas, tempo de permanência por página, número de usuários únicos e número de páginas visualizadas por usuário.
Mas o que significa a inclusão dessa grande tela no interior das redações? Foi o que esta autora se perguntou durante a etapa de entrevistas para a pesquisa de mestrado, quando sentiu um grande incômodo ao deparar-se com os dados do Google Analytics em letras garrafais em duas redações de veículos jornalísticos. Tal foi a surpresa que o fato foi registrado, de forma breve, nas considerações finais da dissertação:
Nas entrevistas presenciais, foi muito interessante perceber como se estruturam as redações atualmente. Chamou atenção a imagem do Google Analytics projetada nas grandes TVs. Isso quer dizer que todos podem acompanhar, em tempo real, as notícias mais lidas (e as menos lidas também), o número de acessos ao site, entre outras métricas. Trata-se de algo impensável há pouco mais de uma década. Mas o que era para ser uma revolução acaba por causar estranheza: quais são as consequências de uma quase devoção a esses números? Será que eles precisam mesmo ficar projetados, não seria isso uma pressão um pouco cruel? (VIEIRA, 2014)
A partir de uma reflexão mais aprofundada, foram estruturadas as perguntas que deram origem ao projeto de pesquisa doutoral desta autora, aprovado no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFSC: até que ponto essas métricas pautam, por exemplo, o jornal impresso do dia seguinte? Poderíamos dizer que vivemos a era da “ditadura dos cliques”, em que o que realmente passa a importar é a notícia mais acessada, independentemente de sua qualidade e relevância pública? Esse indicador baseado nos cliques, que gera, por consequência, o ranking dos webjornais mais acessados, pode ser eticamente questionável? Dito de outra forma: há maneiras mais éticas de se pensar as métricas para o produto jornalístico na internet que não tenham como cerne o número de acessos, já que essa informação não garante que o leitor realmente compreendeu e efetivamente leu a notícia? Será que as redações passam a produzir notícias que têm um potencial de grande acesso, com base nas próprias métricas, sem considerar o interesse público? O Google Analytics, software mais usado para métricas, dá conta das particularidades do produto jornalístico ou é necessário pensar numa ferramenta específica para os webjornais?
As questões acima apresentadas se inserem no contexto do jornalismo pós-industrial. Estudá-las em profundidade é enveredar-se pelos caminhos das particularidades do jornalismo online, que merecem ser investigadas também sob o ponto de vista da ética jornalística. Não basta somente mapear as transformações e caracterizá-las. É preciso, muitas vezes, questionar os processos e analisar as implicações dessas novas possibilidades tecnológicas.
Pouca informação, muita curiosidade
A título de exemplo, selecionamos duas postagens de veículos jornalísticos brasileiros no Facebook, que mostram a utilização de uma linguagem persuasiva e têm a nítida intenção de gerar curiosidade, para que o leitor clique. No primeiro exemplo, o jornal O Globo utiliza uma frase impactante, lançando mão até do recurso de “caixa alta”, que chama ainda mais atenção do leitor. No entanto, embora seja de impacto, a frase não diz sobre o que trata a notícia e ainda induz fortemente o leitor a clicar no link para ver por que, de fato, ele precisaria “trocar as senhas na internet agora”. É interessante também analisar os comentários dos leitores, que muitas vezes percebem essa estratégia persuasiva e a criticam, como o leitor que escreveu: “tá querendo aparecer”.
No exemplo seguinte, o jornal Lance! afirma que “nova moradora do Rio corre de camisola pelo Botafogo”. O veículo utiliza um recurso visual apelativo, além do texto “corre que é fogo!”. Diferentemente do exemplo acima, neste o leitor pode supor o assunto da matéria que, pelo título do post, versaria sobre uma mulher que teria corrido de camisola pelo Botafogo. Apesar da ambiguidade do termo “Botafogo”, que poderia fazer referência ao bairro do Rio de Janeiro ou ao time de futebol, o leitor tenderia a optar pela segunda interpretação, já que se trata de um veículo jornalístico especializado em esporte. No entanto, ao clicar na matéria, percebemos que ela não corresponde ao que indicava o post. Na verdade, a mulher não correu de camisola porque torcia pelo Botafogo, mas porque, ao ouvir os gritos da torcida, que chama o time de “Fogo!”, ela se assustou e achou que o prédio estava pegando fogo. Em última instância, o título não estava errado, mas sua conotação muda completamente quando, de fato, lemos a história “inusitada”.
Salientamos que a criação de um texto persuasivo nas redes sociais não configura, em princípio, uma prática antiética, mas tal ação nos leva a pensar nos limites da utilização desses recursos. Os posts dos webjornais devem ser claros quanto às notícias que veiculam? Como dosar o humor e a informação?
Por fim, entendemos que as métricas geram informações valiosas também para os anunciantes. Se, por exemplo, um webjornal tem muitos acessos na editoria de Cultura, é bem provável que os anunciantes do setor se interessem por comprar esses espaços publicitários. Ou seja, além do ponto de vista editorial, as métricas estão também relacionadas com a eficiência dos negócios dos veículos jornalísticos na internet. E a sustentabilidade de um modelo de negócio para o jornalismo online tem sido uma preocupação constante no mercado e na Academia.
******
Lívia de Souza Vieira é mestre no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisadora do objETHOS