Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O pacote requentado e o teto da meta

Dois dias depois da derrota brasileira por 7 a 1, o governo oficializou um novo pacote econômico e financeiro, com a publicação da Medida Provisória 651. Horas depois, o noticiário foi enriquecido com declarações da presidente Dilma Rousseff e do ministro do Esporte, Aldo Rebelo, sobre medidas para reformar o futebol nacional. O ministro chegou a falar em “intervenção indireta” no esporte. Além disso, ele e a presidente mostraram-se preocupados com a exportação de jogadores. Polidamente, os jornais publicaram o noticiário sobre os dois assuntos, o econômico e o esportivo, em páginas separadas. Todos, no entanto, vinham explorando as possíveis consequências políticas do vexame no jogo com a Alemanha.

A MP 651 foi dedicada principalmente a regulamentar medidas anunciadas algumas semanas antes. O pacote incluiu melhores condições para participação no Refis, o refinanciamento de dívidas tributárias, e a prorrogação do Reintegra, benefício fiscal a exportadores. Além disso, a aprovação da MP tornará permanente a desoneração de encargos trabalhistas, já concedida a 56 setores. De modo geral, foi uma reedição, com poucas mudanças, de medidas econômicas já lançadas há alguns anos. Os efeitos na produção industrial e no comércio exterior foram até agora nulos ou muito modestos, pelos dados oficiais. Mas o governo e alguns empresários – aqueles mais beneficiados pelos mimos – parecem continuar apostando nessas providências. Falta esses empresários retribuírem o agrado com mais investimentos.

Nenhum jornal incluiu na cobertura um resumo dos dados da indústria e da balança comercial desde o lançamento dessas medidas, anos atrás. Seria uma boa informação para quem quisesse avaliar a eficácia do novo pacote. Mas a maior parte da imprensa chamou a atenção para o efeito orçamentário importante, a contribuição do Refis para a arrecadação do Tesouro e para a obtenção, até o fim do ano, do superávit primário programado.

Só esse programa deverá proporcionar uma receita de R$ 15 bilhões. Antes do pacote a previsão indicava R$ 12,5 bilhões. Só os R$ 15 bilhões correspondem a cerca de 18% do resultado primário prometido para o governo central. Dividendos maiores que os do ano passado e mais bônus de concessões de infraestrutura deverão ampliar essa contribuição e poupar o governo de um esforço de contenção de gastos.

Fora dos padrões

Na parte fiscal a cobertura tem ficado mais esperta e muito menos vulnerável ao discurso oficial. Na mesma semana, jornalistas perceberam rapidamente o novo desdobramento do caso das tarifas de eletricidade, congeladas no ano passado pelo governo federal e descongeladas lentamente a partir deste ano. Os ajustes vão afetar os indicadores de inflação, como já noticiaram os jornais, mas serão insuficientes para ajeitar a situação das distribuidoras.

Em abril, um consórcio de bancos emprestou R$ 11,2 bilhões à Câmara de Comercialização de Energia, com prazo até outubro de 2017, para socorrer as empresas. O dinheiro já se esgotou e o governo – quem mais poderia garantir a operação? – articula um novo financiamento de R$ 2 bilhões. Os empréstimos bancários atenuam, de imediato, uma parte do problema financeiro. A ajuda custou R$ 8,8 bilhões ao Tesouro no ano passado e deve custar mais de R$ 9 bilhões neste ano, como informou a imprensa.

A atenção dos jornais a detalhes desse tipo confirma o bom aprendizado da lição. Pelo menos em assuntos fiscais, os jornalistas entendem direitinho a Primeira Lei Meteorológica das Finanças Públicas: não espere ver dinheiro cair do céu. Com foco certo ou errado, a despesa será paga por alguém, quase certamente por você, contribuinte anônimo.

Cada vez mais espertos quando tratam de finanças do governo, os jornais continuam, no entanto, escorregando em detalhes desimportantes só na aparência. Nos 12 meses terminados em junho, a inflação medida pelo IPCA, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo, chegou a 6,52%. Grandes jornais noticiaram o estouro do “teto da meta”. Houve pequenas variações na apresentação do assunto, mas aquela expressão foi usada amplamente. Estaria tudo bem, se a taxa de 6,5% fosse o “teto da meta”.

Mas a meta é só um ponto, 4,5%, como indicam os documentos do Banco Central. A margem de dois pontos, para cima e para baixo, é apenas margem de tolerância, destinada a acomodar desvios causados por problemas excepcionais e dificilmente controláveis. Diante de problemas desse tipo, o custo de um aperto monetário para conter a inflação seria desproporcional ao resultado. O BC imporia um enorme estrago à economia em troca de um ganho muito pequeno contra a alta de preços. No Brasil, no entanto, autoridades falam em “inflação dentro da meta” para descrever qualquer resultado dentro da margem de tolerância. Isso inclui uma taxa anual de até 6,5%.

Ao prometer uma inflação “dentro da meta” para este ano, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Marcio Holland, recorreu mais uma vez a esse abuso de linguagem. Os jornalistas nem lhe perguntaram o número previsto para o ano. Quando aceitam a noção de “teto da meta”, repórteres, colunistas e editores simplesmente repetem e sancionam uma enganação e legitimam, de certa forma, a tolerância a uma alta de preços fora dos padrões internacionais. Prestariam melhor informação se fossem, nesse caso, tão exigentes quanto têm sido ao tratar das contas públicas.

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Rolf Kuntz é jornalista