Assunto batido, o da construção e desconstrução de imagens. Entretanto, cada vez mais atual. Aliás, mais do que atual, permanente. Não se passa um minuto sem que a imagem de alguém ou de alguma coisa entre na berlinda.
No dia 28 de julho, a Folha de S.Paulo, jornal que consegue se superar diariamente em sua marcha para a irrelevância, devido à pobreza de sua reflexão coletiva e de seus padrões jornalísticos, pratica mais uma promoção de imagem. É da bela moça que aparece abaixo.
Na entrevista que concedeu, a própria Camila diz que é uma líder “fabricada” [pela polícia e, agora, digo eu, por uma de suas sucursais jornalísticas]. Nas palavras de Camila:
“Existe uma necessidade de se fabricar líderes para as manifestações. E quem se encaixa muito bem no papel da mentora intelectual? A professora universitária. Cai como uma luva, entendeu?” [sic; essa citação literal cai como uma luva para engrossar o caldo da tese aqui indicada da fragilidade dos padrões jornalísticos].
Camila parece desconsiderar que ela mesma participou do circo midiático quando fez, ao sair da cadeia, dias antes, o gesto que o fotógrafo do O Dia flagrou (a foto está na mesma matéria da Folha, intitulada “Da Sorbonne para a rua. Citada pela polícia do Rio como articuladora de ações violentas e protestos de rua, a professora Camila Jourdan classifica o inquérito como obra de ficção”).
Ela nunca poderia adivinhar, mas sua imagem apareceu na Folha colada a uma imagem em acelerado processo de desconstrução, a da apresentadora de televisão Fátima Bernardes, estrela de um anúncio de linguiças.
Essa desconstrução é promovida pela publicidade e conta com plena aprovação da protagonista, evidentemente. Fátima talvez tenha percebido antes de outros que, como disse Marcelo Rezende em entrevista à mesma Folha (27/8), “noticiários com dois âncoras na bancada estão morrendo. Ninguém aguenta mais aquele formato engessado”.
O que a Folha deveria ter procurado saber, no caso da professora Camila, é se alguém já teve acesso ao inquérito. Porque até o momento tudo que se conhece dele são excertos manipulados pela cúpula da segurança pública do Rio de Janeiro, instância não confiável, nesse caso (e em outros também). E manipulados eventualmente pelos indiciados no inquérito e seus advogados.
Israel e judeus
Outras imagens presentes na edição da Folha de segunda-feira, 28 de julho, são as de Israel e dos judeus, sob o inacreditável título “Israel é aberração; os judeus, não”. O texto completamente enviesado de Ricardo Melo – que, como de hábito, esconde cuidadosamente tudo que não lhe interessa mencionar (no caso, “apenas” o extermínio dos judeus da Europa durante a Segunda Guerra Mundial) – ganhou um título que trabalha com uma categoria, “aberração”, ausente do texto.
Título feito com incompetência – e com inconsciente antissemitismo –, infeliz, mas ao mesmo tempo elucidativo. Se alguém quiser sintetizar o que está no artigo, pode sem risco dizer que o resumo do resumo, ou seja, o título, parte da premissa de que os judeus poderiam ser considerados uma “aberração”.
Que Israel perdeu a batalha da imagem, devido em primeiro lugar à política de seus governantes, mas não apenas (existe uma tendência a estigmatizar o mais forte, mesmo quando o mais fraco está longe de ser apenas vítima), é assunto velho. Mas quem quiser meditar um pouco mais sobre o tema poderá ver com grande proveito o excelente filme O que resta do tempo, do palestino Elia Suleiman, exibido no Brasil em 2010. Suleiman produziu imagens do cotidiano palestino que contrastam com a rotina de puro horror oferecida à opinião pública mundial. O horror existe, mas qualquer representação da realidade que se limite a ele é um desatino e não ajuda a entender os fatos – tanto quanto seja possível fazê-lo.