Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A frieza e a certeza da impunidade

“O jornalismo é o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter.” (Cláudio Abramo, 1923-1987)

Afirmam alguns autores que não existe jornalismo investigativo sem risco para o profissional. É um trabalho que se assenta prioritariamente em bases éticas e, em alguns casos, se aproxima mais de uma investigação policial do que do jornalismo. Não é pequena a sua responsabilidade, pois acusações infundadas podem redundar em prejuízos irreparáveis à reputação de pessoas e instituições. Por isso, o profissional de imprensa tem que se pautar com responsabilidade e ética – princípios inalienáveis do exercício profissional.

A reportagem investigativa, hoje mais do que nunca, é altamente valorizada, já que está destinada a alcançar grande repercussão na sociedade. Um caso exemplar foi o do repórter global Tim Lopes – prêmio Esso especial do telejornalismo, ao expora venda de drogas à luz do dia. Foi uma reportagem que lhe rendeu fama e admiração, mas lhe custou a vida. O jornalismo investigativo nos regimes democráticos contribui para um maior zelo no trato da coisa pública. Exemplos não faltam, com destaque para o impeachment do ex-presidente, hoje senador, Fernando Collor de Melo, deposto por corrupção no início dos anos 1990. Ou o Watergate, nos Estados Unidos da América, que comprometeu a gestão Richard Nixon, em l974.

E o que dizer então do “Mensalão”, cujo triste imbróglioainda desfila pelos gabinetes, corredores e plenário do Supremo Tribunal Federal? Se alguns resultam no esclarecimento de escândalos financeiros e políticos, outros resultam em escândalos e morte, como nos casos do já citado Tim Lopes, Paulo Cesar Faria, tesoureiro da campanha de Collor, e Celso Daniel, este último, segundo seu irmão, porque detinha em seu poder um dossiê sobre corrupção administrativa na prefeitura que comandava.

Certeza da impunidade

A lista de crimes insolúveis ou mal resolvidos, motivados por denúncias e “queima de arquivo”, enche páginas e páginas da crônica policial. Dentre eles avultam, desde 1977, o Caso Luftala, Roberto Farina, ambos naquele ano, Chiarelli, em l988, Nilo Coelho, Anões do Orçamento, Sivan, Escândalo da Mandioca, Satiagraha e uma lista interminável nos anos seguintes. Avoluma-se, também, o rol dos jornalistas assassinados pelo fato de tê-los denunciado à opinião pública, tornando o exercício profissional um dos mais arriscados na atualidade.

A frieza e a certeza da impunidade com que esses crimes são praticados nos remetem ao gênio literário e Prêmio Nobel de Literatura, o colombiano Gabriel García Márquez, e seu livro Crônica de uma morte anunciada. A obra conta, na forma de uma reconstrução jornalística, a história de um crime de honra cometido pelos irmãos Pablo e Pedro Vicário, sob o pretexto de lavar a honra da irmã, e que, friamente, afiaram as facas cedo, como zelo: É a história da morte anunciadadeSantiago Nasar: “Pablo, um dos gêmeos Vicário, desesperado porque Santiago não morria, grita: ‘Porra, primo, sabes lá como é difícil matar um homem, não fazes ideia!’, e lhe aplicou ‘um talho horizontal no ventre’ por onde ‘os intestinos afloraram como uma explosão’. No fim, fizeram cantar as facas na pedra, e Pablo chegou-se à lâmpada para ver cintilar o aço, apaixonadamente, sem vacilar.”

Tinha razão o imortal escritor colombiano. Infelizmente, é essa certeza mórbida da impunidade que faz aumentar abruptamente, e a cada dia, a criminalidade.

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Amanda Kelly Santos de Santana é jornalista