Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A tendência do jornalismo é o nicho de mercado

“Não há jornalistas sem opinião. A questão é se você as expõe ou finge que não as tem e engana seus leitores”.

Também acho. O autor da frase é o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, que se tornou uma celebridade no nosso meio, ao revelar os documentos secretos vazados pelo ex-agente da NSA Edward Snowden.

Em debate sobre os rumos do jornalismo no penúltimo dia da Flip [sábado, 2/8], em Paraty, o autor de Sem lugar para se esconder tocou num ponto em que há tempos venho pensando: a tendência cada vez maior da criação de nichos de mercado de opinião na imprensa, de que é exemplo o Fla-Flu a que assistimos nesta campanha eleitoral. Melhor até seria falar em reserva de mercado.

O problema, para mim, é quando o jornalista deixa de lado a informação e ocupa seus espaços no papel ou na tela com panfletos político-partidários, sem nenhum compromisso com os fatos e a verdade, para defender um ou outro candidato, um ou outro governo, um ou outro país em guerra, um ou outro time de futebol. São os que torturam os números de pesquisas, distorcem declarações entre aspas, recusam-se a admitir erros.

Você já sabe o que vai ler quando vê o nome do autor, não importam o assunto, a época, o lugar. Num jornalismo como o brasileiro, em que os veículos da nova ou velha mídia são cada vez mais indiferenciados, seguidores de um pensamento único no noticiário e nos editoriais, a concorrência feroz agora se dá entre colunistas e/ou blogueiros que disputam estes nichos de mercado.

Quanto mais radicais e agressivos, trocando argumentos por ofensas, numa campanha permanente a favor das suas “causas”, mais eles ganham audiência e leitores, e criam verdadeiras seitas de seguidores fiéis. Com isso, os grandes jornais têm hoje, em suas versões impressas ou on-line, mais colunas do que a Grécia Antiga e sobra pouco espaço para as reportagens, que em outros tempos faziam a diferença entre um veículo e outro.

Protagonistas da história

Sempre defendi, e pratiquei isso, que jornalista deve ter lado, ou seja, deixar claro o que pensa, mas não precisa ser, necessariamente, o lado do preconceito, da mentira, da arrogância, da grosseria, da manipulação, como temos visto por toda parte.

O resultado disso é que os leitores ficam sem saber o que, afinal, está acontecendo no Brasil e no mundo. Vira e mexe a imprensa é surpreendida pelos fatos porque vive brigando com eles, até mesmo em manchetes de jornal. Se os fatos contrariam minhas teses, danem-se os fatos, devem pensar estes escribas panfletários que podem estar fazendo qualquer coisa, menos jornalismo.

Fechados em seus aquários com ar condicionado e sem contato com a realidade, conversando sempre com as mesmas fontes, que pensam como eles, têm horror a sujar os sapatos e a conversar com anônimos. São “jornalistas” que não tomam sol nem chuva, escravos de suas verdades absolutas, não admitem contestação. Quem não pensa como eles é idiota, vendido, terrorista, canalha, biltre.

Rara exceção neste cenário de quem já tem uma velha opinião formada sobre tudo e sobre todos, o veterano Clóvis Rossi, que já fez reportagens quase pelo mundo todo e participou da mesa da Flip em que estava Glenn Greenwald, lembrou uma singela lição: ir para a rua ainda é a melhor forma de se exercer o jornalismo: “É a graça da profissão. O que me atrai mais nela é a possibilidade de ser testemunha ocular da história”.

Pois os jornalistas dos nichos ou da reserva de mercado já não se conformam em ser testemunhas, querem eles ser os protagonistas da história. E quem são eles? É preciso nominá-los? São tantos que não lhes darei esta colher de chá – até porque, não precisam, posto que têm o apoio irrestrito de seus patrões, de quem se tornaram alegres porta-vozes. Multimídias, já ocupam quase todos os espaços e horários nos veículos da comunicação hegemônica, e não param de se multiplicar. Haja nichos…

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Ricardo Kotscho é jornalista