Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Duas histórias e um problema

A Petrobras lucrou R$ 10,3 bilhões no primeiro semestre, 25% menos que entre janeiro e junho do ano passado. O governo coordenou um empréstimo de R$ 6,6 bilhões às distribuidoras de eletricidade. Um empréstimo de R$ 11,2 bilhões havia sido arranjado em abril, mas o dinheiro foi insuficiente. As duas notícias – sobre o resultado financeiro da petroleira e sobre o financiamento às companhias do setor elétrico – saíram na mesma semana. A última foi publicada no dia 9/8, um sábado. Para uma pessoa desprevenida, foram duas histórias distintas, vinculadas a decisões políticas e administrativas independentes. Impressão errada.

A queda do lucro da Petrobras e o novo socorro financeiro às distribuidoras de energia são pedaços da mesma história – uma história de intervenção do governo na formação de preços muito importantes. Os editores de Economia devem saber disso. A hipótese de ignorância, nesse caso, é quase inimaginável. Mas deixaram para o leitor, mais uma vez, o trabalho de juntar os fatos.

Editar é mais que selecionar a informação, hierarquizá-la e cuidar de sua apresentação gráfica. É também organizar e articular o noticiário e dar-lhe o máximo de inteligibilidade. Com frequência, os jornais têm feito bem menos que o necessário em relação a esse quesito. Isso ocorreu de novo na semana de 4 a 9 de agosto.

No entanto, o noticiário sobre cada um dos temas foi, de modo geral, bem apresentado. O caso das distribuidoras foi acompanhado com atenção pelos jornais durante o tempo todo. A cobertura mostrou a dificuldade do governo para mobilizar mais uma vez os bancos privados. Chamou a atenção para o encargo especialmente pesado atribuído às instituições federais.

Pressão inflacionária

Banco do Brasil, Caixa e Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foram encarregados de fornecer a maior parte do financiamento. O BNDES deveria entrar com R$ 3 bilhões. Cada um dos outros dois bancos federais participaria com R$ 750 milhões. Outro detalhe ressaltado por todos os jornais foi o custo. Os juros, nesta operação, devem ser maiores que os cobrados pelo empréstimo de R$ 11,2 bilhões negociado em abril.

Com o novo financiamento, as distribuidoras devem ser capazes de chegar ao fim do ano sem maiores dificuldades. Essa foi, pelo menos, a expectativa indicada por fontes oficiais. Mas os dois financiamentos, no total de R$ 17,8 bilhões, envolvem, necessariamente, custos adicionais para as empresas tomadoras. Elas terão de ganhar o suficiente para suas operações normais e para cobrir os juros desses empréstimos.

É preciso, agora, determinar os aumentos de tarifas necessários para atender a essas necessidades. O noticiário de sexta-feira (8/8) já mencionava a hipótese de um reajuste de 24%, provavelmente parcelado. Algumas empresas já foram autorizadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a aumentar tarifas neste ano. Mas a maior parte do sistema continua com séria defasagem nos preços.

Não havia como contar essa história, mesmo superficialmente, sem lembrar a redução de tarifas determinada no ano passado pelo governo. Foi parte do esforço da presidente Dilma Rousseff para administrar os indicadores de inflação. Baratear a conta de luz por decisão política poderia criar dificuldades para as empresas mesmo em circunstâncias normais. Mas a situação era especialmente adversa. As chuvas já eram insuficientes. As distribuidoras tiveram de comprar energia mais cara, fornecida pelas centrais térmicas.

Tudo isso foi lembrado pelos jornais.

A cobertura teria sido mais completa se incluísse referências à situação das geradoras. A decisão sobre as tarifas foi tomada quando o governo resolveu antecipar a renovação das concessões. A amortização de investimentos anteriores estava incompleta e a compensação oferecida pelo governo foi considerada insuficiente por especialistas. A Eletrobrás foi uma das companhias afetadas por esse processo.

Lembrar esses detalhes e também o financiamento recentemente arranjado para as geradoras tornaria a história mais completa. Faltou esse cuidado. De toda forma, a cobertura foi bastante clara ao examinar o problema das tarifas e ao explorar o provável esquema de reajustes a partir do próximo ano. A presidente Dilma Rousseff negou, há pouco tempo, a possibilidade de um tarifaço. Apesar dessa negativa, o problema das tarifas insuficientes permanece e alimenta a especulação sobre novas pressões inflacionárias em 2015.

Esforço mínimo

A redução de lucros da Petrobras também está vinculada à política de preços imposta pelo Palácio do Planalto. Esse dado é bem conhecido e foi lembrado mais uma vez no material sobre o novo balanço da empresa. A presidente da Petrobras, Graça Foster, mencionou, em carta aos acionistas, a necessidade de ajustar os preços internos dos combustíveis aos preços internacionais. Todas as matérias mencionaram esse detalhe.

A cobertura teria ficado obviamente mais completa – e o quadro, muito mais inteligível – se os editores tivessem tido o cuidado, muito simples, de mostrar a ligação entre as duas grandes histórias da semana. Afinal, os problemas da Petrobras e os apuros financeiros das distribuidoras de eletricidade coincidem num ponto muito importante: a tentativa do governo de administrar os índices de inflação. Os problemas são mais amplos, é verdade, mas esse ponto comum é tão indisfarçável quanto relevante. Os jornais poderiam tê-lo mostrado sem muito trabalho.

Gasta-se, às vezes, muito esforço em detalhes decorativos. Com frequência, falta o esforço mínimo necessário para tornar a cobertura um pouco mais redondinha. Talvez pareça pouco. Mas um detalhe como esses, bem mostrado, pode ser muito importante para o leitor entender e avaliar os fatos.

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Rolf Kuntz é jornalista