Faz algum tempo, correu na rede a notícia de que uma pessoa conhecida havia sofrido um tiro no “basso”. Isso mesmo. O redator do primeiro site a contar a história não acertou no baço e assim circulou a suposta informação.
Parece que nem era isso, mas não importa. Mesmo que tivesse havido uma primeira apuração criteriosa, o resto foi copiar e colar. Isso passa longe do jornalismo.
O caso é simples, mas quem faz jornalismo está constantemente diante de situações assim – a de checar a informação que chega à redação, mesmo quando parece clara.
Estávamos ao vivo na CBN no dia em que caiu o Cessna que levava Eduardo Campos. A primeira informação que nos chegou, e que colocamos no ar, dava conta da queda de um helicóptero.
Era um erro. Testemunhas diziam isso mas, a rigor, não havia ainda como saber se era mesmo um helicóptero. Já se via fogo e destruição, e muita gente vira algo desabar do céu.
Ora, só podia ser um helicóptero. Um jato não passa por ali, não pelo menos voando tão baixo a ponto de atingir as casas e cair.
Mas aconteceu. Portanto, o melhor seria ter dito que havia caído uma aeronave. Fizemos isso logo depois, no curso da apuração, quando repórteres e as diversas fontes seguras – naquelas circunstâncias – não conseguiam ver hélices ou algo que identificasse um helicóptero. Parecia já um desastre bem maior.
Nesse momento, a apuração percorria diversos caminhos, das testemunhas locais aos órgãos de controle de voo, polícias, hospitais e políticos.
E a tragédia se desenhou num tempo que pareceu longo, mas foi questão de minutos: um Cessa partira do Rio para Santos levando Eduardo Campos e sua comitiva; o candidato não aparecera onde era esperado; assessores não o encontravam pelo celular; um jato tentara pousar no Guarujá e arremetera.
Pessoal e profissional
Era evidente a conclusão. Mas não colocamos no ar enquanto era só isso, uma conclusão abstrata tirada de uma série de indícios. Excesso de zelo?
Nada. Apenas o exercício do jornalismo. Não se pode dar uma notícia dessas na base do “parece que” ou “tudo leva a crer”… Afinal, poderia ser outro avião que caíra em Santos, tendo o de Eduardo Campos feito um pouso de emergência sabe-se lá onde.
Impossível? Muita coincidência?
Mas já tínhamos exatamente isso – uma história impossível, que estava acontecendo bem diante de nossos olhos.
Faz muito tempo, quando o jornalismo brasileiro estava numa fase de modernização, participei de um debate com um colega americano, então impressionado com a sem cerimônia com que nossos jornais diziam: fulano matou; o assassino foi capturado; o prefeito roubou.
Era preciso escrever: o suposto crime; o acusado; o denunciado.
Está certo, comentávamos, mas há casos evidentes, em que se vê a coisa acontecer. Mesmo assim, nos dizia o colega americano. E passou um filme que mostrava a cena chocante em que Jack Ruby matava a tiros Lee Oswald, ao vivo, na tevê. Oswald está sendo levado por policiais, Ruby sai de um grupo de jornalistas, empunha o revólver e executa Oswald , que viria a morrer.
Nenhuma dúvida.
Não mesmo? Suponha, nos provocava o colega, que Ruby errou o tiro ou que seu revólver falhou ou algo assim. E que o pessoal da CIA aproveitou a circunstância, levou Oswald para um canto e o assassinou. Ou ainda, teria a CIA armado tudo?
Não podemos, nós, jornalistas, cair nas teorias conspiratórias. Mas é preciso desconfiar, apurar e rechecar.
A um determinado momento na quarta-feira da semana passada [retrasada], entre meio dia e uma da tarde, já estávamos certos de que havia caído o avião de Eduardo Campos e que não havia sobreviventes. Mas esperamos até obter várias confirmações para dar a notícia toda.
Fizemos jornalismo. Não copiamos nem colamos nada. Assim fizeram muitos outros colegas de muitos outros veículos.
Nesses momentos, aumenta exponencialmente a audiência em todas as mídias, mas não a de todos os veículos. O público sabe onde buscar a informação confiável.
Neste momento em que se discute o futuro e, sobretudo, a qualidade do jornalismo no Brasil, queria deixar este depoimento, entre o pessoal e o profissional. Depois de mais de quase 45 anos de jornalismo, alguma coisa se aprende.
Tudo isso para dizer que aqui no sistema Globo a gente não atira no basso de ninguém, não faz nada escondido e, sobretudo, não usa anônimos para mexer no perfil dos outros.
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Carlos Alberto Sardenberg é colunista do Globo