Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O aperto do Tesouro e o seu cheque especial

Meio apertado para fechar as contas, o Tesouro Nacional pediu mais R$ 3 bilhões de dividendos ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para melhorar seu balanço. Já havia recebido R$ 3,8 bilhões no primeiro semestre, além de R$ 1 bilhão a título de juros sobre capital próprio. Além disso, o banco manteve na primeira metade do ano o pagamento de subsídios federais ao setor privado, mesmo sem receber repasses do Tesouro.

A pressão do Tesouro sobre o BNDES foi noticiada pelo Estado de S.Paulo e pelaFolha de S.Paulo, com alguma diferença nos detalhes, na edição de sábado (23/8). No mesmo dia, o Globo publicou matéria, com chamada na primeira página, sobre investigações de atrasos na liberação de repasses para a Caixa. O banco tem mantido os pagamentos a beneficiários de programas sociais bem antes de receber as verbas do governo.

Motivados pelo Banco Central (BC), a Procuradoria da Fazenda e o Tribunal de Contas da União (TCU) tentavam determinar se o adiantamento de recursos pela Caixa seria classificável como um financiamento ao Tesouro. Na prática, tudo se passa como se o Tesouro usasse um talão de cheques especiais. Mas seria possível, formalmente, apontar uma operação de crédito?

Uma resposta positiva caracterizaria um crime – uma violação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Essa lei proíbe o banco público de financiar o governo. É uma forma de obrigar o governo a administrar de forma prudente suas finanças. Vários jornais vinham explorando os atrasos de repasses do Tesouro à Caixa e ao Banco do Brasil. O problema em relação ao BNDES foi mais uma novidade.

Meta improvável

Se fiscalizar o governo é uma das funções principais da imprensa, numa sociedade democrática, os jornais brasileiros vêm cumprindo esse papel com eficiência pelo menos em relação aos assuntos fiscais, isto é, à gestão das contas públicas. Os leitores foram regularmente informados, nos últimos dois anos, sobre a execução das ações orçamentárias e, de modo especial, sobre as manobras para tornar mais apresentáveis as contas públicas.

Batizadas como contabilidade criativa, essas manobras têm sido executadas durante todo o ano. Em condições menos desfavoráveis, talvez os gestores do Tesouro pudessem deixar para o fim do ano as ações necessárias para reforçar as contas federais. Mas eles têm recorrido à criatividade durante a maior parte do ano. Com isso deixam mais evidentes as dificuldades para cumprir as metas fiscais.

Neste ano, até julho, o governo central arrecadou R$ 677,4 bilhões. Descontada a inflação, essa receita foi apenas 0,01% maior que a dos sete meses correspondentes de 2013. No mês passado, ao anunciar o resultado do primeiro semestre, o secretário adjunto da Receita Federal, Luiz Fernando Nunes, já reduziu de 3% para 2% a projeção de aumento real da arrecadação.

Agora, até a expectativa de 2% é insustentável. Ele evitou, na apresentação dos dados, indicar uma nova previsão. Segundo o Estadão, até uma estimativa de 1% de aumento é nesta altura considerada otimista por funcionários da Fazenda.

A arrecadação bem mais fraca do que a prevista no começo do ano é atribuível em parte ao baixo ritmo de atividade econômica, em parte às desonerações mantidas pelo governo. Em vigor há vários anos, os benefícios fiscais concedidos a alguns setores têm sido sempre renovados – oficialmente – por mais alguns meses. Mas os meses se passam e a maior parte dos benefícios é prorrogada, sempre com a mesma justificativa: estimular o crescimento da economia.

Mas o baixo crescimento nos últimos três anos e meio confirma a baixa eficácia de estímulos dirigidos principalmente ao consumo. Mantido o baixo crescimento, o único efeito sensível dos incentivos fiscais tem sido a perda de receita e isso os jornais têm mostrado.

Para compensar a arrecadação insuficiente, o governo tem recorrido cada vez mais a receitas não recorrentes, como dividendos, bônus de concessões de infraestrutura e pagamentos de dívidas fiscais atrasadas. Para estimular esse pagamento, o Ministério da Fazenda tem proposto, de tempos em tempos, a renovação, às vezes com maiores facilidades, do Refis, um programa de refinanciamento de dívidas tributárias,

Esse expediente garante alguma arrecadação na fase inicial. Depois de algum tempo, muitos beneficiários simplesmente deixam de pagar e ficam à espera de uma nova rodada de vantagens. O novo Refis deve proporcionar, segundo estimativa da Fazenda, uns R$ 18 bilhões de receita neste ano, a partir de agosto. Se a estimativa estiver correta, o Refis poderá proporcionar 22,3% do superávit primário programado para o governo central (Tesouro, Banco Central e Previdência), R$ 80,7 bilhões. Parcelas importantes serão provavelmente proporcionadas pelos demais fatores não recorrentes, mas, apesar disso, a meta fiscal é considerada cada vez menos provável por técnicos do governo, segundo os jornais. O superávit primário é o dinheiro separado para o pagamento dos juros da dívida pública. De fato, de apenas uma parte dos juros, porque uma importante parcela da dívida é sempre renovada.

Dinheiro adiantado

A dificuldade crescente para ajeitar as contas tem estimulado os administradores do Tesouro a atrasar repasses aos bancos estatais. Esses bancos são os canais de execução dos programas do governo. Entregam o dinheiro aos beneficiários do Bolsa Família, pagam o salário desemprego, passam os empréstimos subsidiados e assim por diante.

Além disso, os bancos públicos foram forçados a assumir a responsabilidade pela maior parte do novo financiamento – R$ 6,6 bilhões – às distribuidoras de energia elétrica. A fatia do BNDES foi reduzida de R$ 3 bilhões para R$ 2,7 bilhões. As parcelas do BB e da Caixa foram aumentadas de R$ 750 milhões, cada, para R$ 866 milhões, segundo informou o Globo na terça-feira (19/8).

As funções de agentes de políticas e de fornecedores de dividendos são tradicionais e normais, embora a segunda tenha sido, sempre ou quase sempre, pouco importante para o fechamento das contas do Tesouro. Agora esses bancos têm também o encargo de adiantar dinheiro para o pagamento de obrigações do governo. Essas mudanças têm sido bem acompanhadas pelos jornais, assim como os vários apertos do Tesouro Nacional.

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Rolf Kuntz é jornalista