Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Viva o jornalismo

“O Lemos está fazendo 85 anos, gente” – o aviso chegou de todo jeito: entre canecos de cerveja nos bares de Ipanema, pela internet, entre um mergulho e outro, até pelo ainda útil telefone. Presentes? “Ele não liga pra isso.” Festa? “Hi… o homem é discreto além da conta.” Um livro de ouro com as nossas mensagens. “Coisa mais cafona…não rola.”

Durante as duas semanas que antecederam o dia 28 de agosto de 2014, uma parte da imprensa carioca parou para pensar na criatura a quem muitos devem suas carreiras, alguns, suas paixões, quem sabe as escolhas mais acertadas em suas vidas , talvez aquela mudança sempre adiada. Como já disse Alberto Dines, amigo de todas as horas, Carlos Lemos Leite da Luz já nasceu esbravejando, portanto, muita calma nessa hora de comemorar o dia em que ele nasceu. Círculos se formaram, e-mails pra cá, e-mails pra lá..e uma força tarefa se uniu e se reuniu em torno do tema:

– Tem que ser um lugar onde possa caber todo mundo.

– Todo mundo quem, cara pálida? Enche o Maracanã.

– O Fluminense tá de bom tamanho, tem um ótimo salão e o homem é ardoroso torcedor.

– Ele não vai gostar, muito barulho, sempre aparece uns penetras, confusão, é pessoa seletiva.

– -Um bar bem intimista, onde caibam os mais próximos, os agradecidos de todos os matizes, os que aprenderam com ele, aqueles a quem deu incontáveis oportunidades, os que o tinham como um mestre de todas as horas.

– Fechado!

Portela querida

Bar Belmonte, Jardim Botânico, Rio de Janeiro. Não é um bar qualquer. História e histórias circulam por suas mesas, onde cabem, democraticamente, gregos e troianos no melhor estilo carioca. Diz o Dines: “Não se fazem mais Carlos Lemos como este Leite da Luz, exemplar único, uma singularidade querida”. Para lá correram o que já foi dito e escrito em prosa e verso: a fina flor de um jornalismo quase heroico, desbravadores de caminhos hoje percorridos sem grandes sobressaltos e maiores desafios graças à internet. Uma época, como bem lembra o Dines, em que as redações e os jornalistas ferviam e quando a rua era, realmente, a fonte primeira da informação. Alguns já se foram, outros, se não desbravam mais os mesmos caminhos, mas seguem aproveitando o novo e suas múltiplas possibilidades. Muitos se aposentaram de fato e hoje vivem apenas da saudade e do legado que deixaram. Mas lá estavam, riso solto, olhos molhados, o passado saltando para o presente.

– Aprendi que mais preciso aprender. E no dia em que não aprendo, é um dia triste pra mim. Isso tanto no jornalismo como na vida.

Palavras de um mestre, que não cabia em si de contente por se ver lembrado, abraçado e incensado, naquela terça-feira especialíssima para todos que ali estavam. Continua torcedor do Fluminense “ardoroso” – ressalta , avô de oito netos e um bisneto. Ele diz que não, mas muitos sambistas hoje famosos lhe devem as portas que se abriram na época de ouro da música popular brasileira. Monarco, que o conheceu quando era guardador de carros no estacionamento do Jornal do Brasil, na Avenida Brasil, é um desses. Quem podia imaginar que aquele magrela elegante, classudo, também explosivo e romântico era chegado a um bom samba. Só os que se acostumaram com sua presença na quadra da Portela, não fosse ele (hella!) uma presença abençoada pela Escola azul e branco.

Telejornalismo, teledramaturgia

Perguntei-lhe, após quase 60 anos dedicados ao bom jornalismo, o que a profissão lhe deu de melhor e o que tinha atirado ao lixo, até como autopreservação: “Não joguei nada no lixo. Também fiz coisas erradas, tanto na vida pessoal como na profissional. Sofri, fiz sofrer, mas deixei tudo dentro de mim. Não quero voltar atrás”.

Repórter, editor, chefe de reportagem, secretário, chefe de redação, passou por todas as etapas de uma redação (jornal e revista). Viveu o melhor e o pior de uma profissão que rejeita os fracos e enaltece os bravos. Como ele. Voltemos ao Dines: “Ao longo de 11 anos e 11 meses, trabalhei ao seu lado. ‘Ao lado’ quer dizer, contíguo, quer dizer integrado, discordando, brigando, entendendo-se, completando-se, tabelando e tão entrosados que, na abrupta demissão deste editor-chefe do JB, Lemos, meu substituto natural, foi tirado da redação e mandado para estudar o segmento televisão na BBC, em Londres”.

O corte, igualmente, abrupto, espantou os não iniciados, mas não derrubou o experiente e sua vasta experiência por esse desafiante mundo onde dois e dois nem sempre são quatro. Voltou, criou a também lendária Rádio Cidade, abrindo um enorme leque de oportunidades dentro de um segmento que, junto com a televisão, mostrava-se promissor. Um novo aprendizado, que soube usar com a categoria e a energia de sempre. Ali também fez escola, chamando a atenção de um observador privilegiado: Roberto Marinho, que o chamou para dirigir o Sistema Globo de Rádio. Três anos depois, matou as saudades subchefiando a redação de O Globo. Mas acharam que Brasília era lugar de desbravadores e para lá o mandaram a fim de chefiar a sucursal e cobrir a posse de Tancredo Neves. Por lá ficou cincos anos, até que o trouxeram de volta para dirigir a recém-criada Agência Globo de Comunicação.

“Eu nasci de uma bobina de papel jornal. Gosto de ler, de sujar a mão de tinta” – diz o Lemos, à pergunta sobre o tal fim do jornalismo impresso diante do avanço cada vez maior da internet, como fonte inesgotável e ampla de informação. “Mas, realmente, quem está dando informação mais completa, hoje, é mesmo a internet. Repare como todos os jornais, revistas e televisão chamam para os seus sites, onde há mais espaço e tempo para oferecer, além de um número maior de informações, detalhes pouco vistos na imprensa escrita, até por falta de espaço suficiente. Infelizmente, o jornalismo impresso está morto. Só falta enterrar. A demanda pela informação, a necessidade de sabermos mais e melhor sobre o que está acontecendo aqui e no mundo – e rapidamente – torna-se cada vez maior e necessário.”

E a formação do jornalista brasileiro? A quantas anda? Carlos Lemos achou que valeria a pena conhecer mais de perto como se dá essa formação e lá foi ele ensinar o que aprendeu e aprender o que ainda faltava em sua história de vida. Por um tempo, curto, mas importante, experimentou a cátedra. Quando a deixou, por conta de outros convites, saiu convencido que a origem da crise do ensino no país é obra e graça, principalmente, de um ensino fundamental deficiente. “Os currículos são pobres e antiquados.”

Jornalismo é, também, um negócio? Para ele, é. Mas tem que ser um bom e direito negócio. “Não pode roubar no peso e na medida. Tem que ser honesto, respeitando a lei e as regras. Sei que há negócios escusos, chantagem e outras falcatruas. Então, que nestes se apliquem a lei e que haja punição, sobretudo. Nos meus 60 anos de jornalismo, sempre respeitei a lei. Podia até não gostar dela, podia achá-la cruel e injusta, mas a respeitei. Era um tempo de ditadura, mas nenhum dos meus patrões me passou alguma ordem desonesta. No exercício da profissão, chorei e ri. Mais ri do que chorei.”

Muitos acham que, ao contrário do jornalismo televisivo nos Estados Unidos e na Europa, o jornalismo de televisão no Brasil não lida muito bem com o contraditório. Seus repórteres mais seguram o microfone para as autoridades do que investem em perguntas que deveriam resultar de respostas evasivas e pouco convincentes. Diz o mestre: “É verdade, mas o minuto de televisão é muito caro. Alguém tem que pagar por ele e ninguém, hoje, tem bala na agulha para ir atrás de maiores desafios. Olha o exemplo da BBC, como ela é financiada? Cada aparelho de televisão vendido tem um percentual que financia a própria organização. Na área da dramaturgia, o Brasil é o melhor do mundo. Na área de jornalismo, sem sombra de dúvida, temos ainda muito que aprender”.

Ainda vale

Carlos Lemos não tem blog e nunca foi seu sonho de consumo ter algum. O número de blog e blogueiros no Brasil é uma evolução ou estamos mesmo diante da ruína do jornalismo impresso? Na opinião do Lemos trata-se de uma evolução. “Está na Constituição, liberdade de expressão para todos. E cada um tem a sua. Quando essa liberdade estiver fora da lei, punição para os culpados. Hitler teve ampla liberdade de opinião e de expressão, mas violou todas as leis, agiu contra elas, contra o ser humano, contra os princípios naturais das vida. Deu muito trabalho puni-lo, mas conseguimos.” 

Ainda vale a pena ser jornalista no Brasil?

– É muito bom ser jornalista, não importa o veículo. O que importa é a qualidade do conteúdo. E viva o jornalismo.

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Longa vida para Carlos Lemos, 85 – Alberto Dines

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Magda de Almeida é jornalista.