Oferecer informações de interesse público independentemente de opinião é um dos compromissos propagados pelo jornalismo em seu papel social. Entretanto a partidarização da mídia é atitude reconhecida pelo senso comum dos brasileiros e naturalizada socialmente, com a observação de que em alguns veículos a coisa acontece de forma mais declarada do que em outros. Seria a isenção no jornalismo um valor fora de moda?
Trataremos aqui do caso das revistas semanais. A considerar pelas cartas dos leitores, é possível observar nelas públicos bem definidos. E é para eles que elas são feitas. O que a sociedade no país dispõe hoje são de revistas com o seu posicionamento político abertamente declarado em seus editoriais. Quem compra uma CartaCapital sabe do lado de quem está o periódico e pode imaginar o que vai ou não encontrar ali. Dificilmente essa pessoa sairá da banca com uma Veja debaixo do braço. O inverso também é válido.
Em tempos de eleições, quem quer embasar seu voto com argumentos a favor de sua escolha e/ou partido sabe qual revista deve comprar. Quem ousa munir-se de informações para questionar-se a respeito do seu voto (comportamento talvez não muito usual) reconhece na banca quem faz oposição a ele. Mesmo que o leitor não seja muito familiarizado, normalmente uma breve olhada nas capas transmite tal informação.
Juízos de valor
Os três quadros a seguir descrevem as pautas e uma síntese das reportagens sobre política no país e processo eleitoral na cobertura das semanais CartaCapital, Veja e Época nessa última semana que precedeu as eleições 2014 no primeiro turno. Junto aos quadros, somam-se algumas observações a partir de uma breve análise do conteúdo publicado.
CartaCapital, 1 de outubro de 2014
Título | Resumo |
Altos e baixos – Na reta final do primeiro turno as campanhas elevam o tom | Panorama das pesquisas eleitorais, aponta Dilma e Marina no páreo, fala de como os ataques à Marina por parte dos petistas e tucanos fizeram inverter sua tendência nas pesquisas, que até então vinha numa crescente. Aborda as trocas de acusações entre PT e Marina e as contradições de Marina e mostra Aécio como coadjuvante nas pesquisas. |
Nas mãos dos indecisos | Resultados da pesquisa CartaCapital/Vox que aponta subida de Dilma e Aécio e declínio de Marina e três possíveis resultados. |
As barcaças da Transpetro | Investigação do Ministério Público sobre a renovação da frota de barcaças da estatal e possibilidade de relação com a Operação Lava Jato que investiga casos de corrupção envolvendo a Petrobras. |
Canhões a postos | TCU mira programas sociais e ministra do desenvolvimento diz que técnicos tem conclusões equivocadas |
Nanica, uma ova! | Matéria sobre Luciana Genro que aborda como a candidata do PSOL conquistou popularidade entre jovens da faixa dos 20 anos após debate com uso de uma “gíria idosa”, popularidade esta que no debate anterior estava direcionada a Eduardo Jorge por suas “caras e bocas”. A matéria repercute também como a candidata preocupou-se em desconstruir a imagem de Eduardo Jorge, do mesmo modo que vinha ocorrendo com os candidatos mais cotados. |
O crime do desperdício | Investigação na Fundação Casa, em SP, por conta do alto custo e baixo benefício oferecido pelo sistema. Cita outra investigação contra o governo Geraldo Alckmin, PSDB, por superlotação. |
Erro de pessoa/TV | Nota sobre a entrevista de Dilma concedida aoBom dia Brasil da Tv Globo, denunciando o posicionamento declarado e não cordial dos jornalistas da emissora para com a candidata. |
Veja, 1 de outubro de 2014
Título | Resumo |
Eles vão decidir a eleição | Panorama da pesquisa Datafolha, marca esta como a eleição mais disputada desde 1989. Traça um perfil dos eleitores “órfãos” de Aécio ou Marina para o segundo turno, que decidirão as eleições. Aponta ambos contra o governo do PT e sugere o que Marina ou Aécio precisam fazer para ganhar o voto do opositor. Relata as ofensivas petistas (não cita as tucanas) como responsáveis pela queda de Marina nas pesquisas e fala de uma Marina não disposta a revidar com a mesma estratégia de acusações e de um partido tucano, ainda mais pacífico. |
A máquinha do PT contra Marina | Acusações ao PT de garimpar informações contra Marina, em especial na Polícia Federal |
A farra do doador fisiológico | Crítica a empresas que financiariam campanhas eleitorais como um negócio e não por ideologia, concedendo verba a candidatos opositores ao mesmo tempo |
O núcleo atômico da delação | Em processo de delação premiada, líder de esquema de corrupção na Petrobrás acusa campanha de Dilma em 2010 de pedir patrocínio a ele. Palocci e Dilma negam acusações. |
Só Dilma quer papo com o terror | Acusa Dilma de querer dialogar com os terroristas por conta de sua declaração em discurso da ONU de que precisa de diálogo porque “não dá, também, só o bombardeio”. |
Época, 29 de setembro de 2014
Título | Resumo |
Entrevista Marina Silva: “Tenho muito respeito pelo Armínio” | Trata do marketing selvagem do PT contra Marina, que relata fazer “política por amor” e não por ódio, e que portanto não usa esse tipo de estratégia. |
O sonhático agora é ele | Fala da esperança de Aécio apesar dos números da pesquisa não o apontarem com favoritismo para o segundo turno, e seu percurso de campanha eleitoral |
Eles continuam nas ruas, mas agora pedem votos | Relato sobre candidaturas de seis manifestantes de diferentes movimentos de rua |
Um novo rosto para a velha política de Alagoas | Fala da candidatura de Renan Filho (PMDB) ao governo de Alagoas, filho do senador Renan Calheiros. Compara à família Sarney, sobre a época em que José Sarney era senador e a filha, Roseana Sarney, governadora do Maranhão. |
Uma patada na nossa vida | Sobre os problemas do funcionalismo público e as propostas e ações dos candidatos à presidência para cada um dos itens levantados a respeito do tema. |
Uma primeira observação sobre as pautas e as capas das revistas citadas demonstra a marcação de posicionamento dita acima. A Veja traz na capa a denúncia do delator Paulo Roberto Costa à Polícia Federal sobre um possível envolvimento da campanha eleitoral de Dilma Roussef em 2010 com os escândalos de corrupção que tem envolvido a Petrobras. A Época estampa a foto de Marina Silva, chamando para uma entrevista com a candidata, com várias frases de efeito da mesma, sobrepostas. A CartaCapital, com um pouco menos de ênfase gráfica, traz para a capa um envolvimento de outra estatal no interior de São Paulo, a Transpetro, no escândalo da Petrobras e uma chamada para as desavenças entre o atual governo federal e o Tribunal de Contas. Adentrando no conteúdo desta última revista, observando o discurso, um olho da reportagem de capa diz: “A oposição ainda tenta extrair do escândalo em torno da Petrobras uma maneira de derrubar Dilma Roussef.”. As escolas de jornalismo e os manuais de redação alertam para o cuidado com o uso de adjetivos e advérbios na emissão de juízos de valor. No entanto, tal uso não aparenta um descuido por parte da redação.
Choque de informações
Interpretando as reportagens e comparando-as verifica-se a tendência da mídia partidária. Enquanto CartaCapital fala de trocas de acusações entre todos os candidatos, inclusive entre os menos cotados – de Luciana Genro direcionada a Eduardo Jorge –, Veja e Época falam de uma Marina Silva e Aécio Neves pacifistas e de um PT que age com “marketing selvagem” contra Marina. Não apenas fica expresso uma diferença de posicionamento, mas um problema de distorção de informações. As revistas se contradizem, logo, alguém está faltando com a verdade. Tal leitura da realidade por parte das revistas vai um pouco além de uma interpretação diferente da mesma. Outra briga entre as empresas de mídia é declarada abertamente por CartaCapital em “Nas mãos dos indecisos”. A matéria declara a existência de uma “mídia antipetista” e acusa a Globo de “provocar espetáculo na véspera da eleição” no último debate promovido. A nota “Erro de pessoa/TV”, na seção “Bravo!” complementa as críticas à emissora, enfatizando no “tom da Globo nesta eleição presidencial” uma “descortesia simulando uma isenção que jamais teve “ e uma “impertinência” e “irritação” de sua entrevistadora, Miriam Leitão, diante da presidenciável petista.
Há quem veja um problema na atitude de um veículo jornalístico assumir nitidamente um posicionamento, pois defende que o jornalismo deve buscar ser e parecer isento acima de tudo, almejando um máximo possível de objetividade. Há quem acredite que essa atitude seja uma virtude com o argumento de que o veículo seria mais honesto e transparente com o leitor, admitindo seu posicionamento e oferecendo a opção de escolhê-lo ou não. Neste caso, para informar-se sobre ambos os lados o leitor teria condições de formar uma opinião mais completa a partir da leitura de um veículo de situação e outro de oposição, por exemplo, e dessa forma o jornalismo daria conta da isenção da realidade através do fornecimento de informação dos diferentes lados oferecidos pelo conjunto dos veículos jornalísticos. A pergunta que se faz é: à exceção de uma mestranda que vai escrever uma crítica de mídia sobre a cobertura das semanais nas eleições, quem mais vai à banca e compra uma revista de cada? A resposta requer uma pesquisa de público, mas de antemão não aparenta ser um hábito muito comum do leitor brasileiro. De qualquer forma, o leitor que normalmente escolhe o que vai ler, terá a informação pela metade. O leitor que resolve ler tudo, fica com as diferentes opiniões mas se depara com um choque de informações e vai ter que escolher em quem acreditar, e aí localiza-se um problema maior – a falta de compromisso de algum dos veículos jornalísticos com a verdade.
Valores pétreos
Outro valor fundamental do jornalismo posto à prova é a credibilidade. Uma das maiores diferenças entre um jornalista e um cidadão que resolve divulgar uma informação na sua timeline do Facebook, por exemplo, está no compromisso que essa pessoa tem com a informação divulgada. A profissão institui tal compromisso. Em “O núcleo atômico da delação”, de Veja, Paulo Roberto Costa, delator do escândalo da Petrobras, afirma que em 2010 Antônio Palocci como coordenador de campanha de Dilma o procurou para pedir patrocínio. Dilma por sua vez diz que o tesoureiro de sua campanha na época não era Palocci, mas o deputado federal licenciado José de Filippi. Informação facilmente checável. Não se justifica que se deixe que o leitor resolva em quem acreditar.
Sobre checagem de informação, a CartaCapital traz um bom e um mau exemplo. Em “As barcaças da Transpetro”, desmente as declarações do ex-senador Sérgio Machado de que não teria sido investigado na operação Castelo de Areia da Polícia Federal com fotos dos documentos da PF. Ponto para a revista. Entretanto, em “Altos e baixos”, responde à acusação de Marina de que o TCU aponta Dilma como responsável pelo prejuízo na Petrobrás com a compra da refinaria de Pasadena, EUA, com um ”segundo o advogado da campanha do PT o ataque é mentiroso pois o TCU isentou a presidente da responsabilidade”. Ora, a fonte creditada para falar sobre as acusações que o TCU fez ou deixou fazer é o próprio Tribunal. Com “segundo fulano” o jornalismo se isenta da responsabilidade de checar a informação, sob a aparência de fornecer os dois lados, e novamente cabe ao leitor escolher em quem acreditar.
Quando a mídia repercute o vexame dos debates eleitorais, que prioriza as acusações aos opositores a explanação das propostas e explicação dos planos de governo, mesmo que de maneira mais polida, a sociedade assiste a um embate entre candidatos e ganha de brinde um embate entre veículos. Seria isto o melhor que o jornalismo pode fazer na atualidade? A julgar pelos manuais de redação e ética seguidos pelos próprios veículos, a promessa parece bem maior. Problema maior do que assumir um posicionamento e até mesmo deixar que ele ultrapasse o conteúdo editorial e atinja as reportagens, parece ser o descompromisso com a informação. O “fato” é ainda a matéria-prima do jornalismo, e não o “disse”. A credibilidade e a busca pela verdade no jornalismo são incontestáveis. São valores que precisam se manter em pé se a profissão pretende ter algum diferencial de qualidade com outros divulgadores de informação emergentes, seja o seu João da padaria ou os internautas ativistas das redes sociais.
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Elaine Manini é mestranda no POSJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS