Os últimos meses ilustram como o jornalismo catarinense tem insistido em escolhas equivocadas, principalmente no que tange à cobertura política. Perda de espaço no noticiário, redução de equipes dedicadas e afrouxamento do papel fiscalizador são os mais notórios resultados do descaso editorial local. Em poucas palavras, as empresas jornalísticas optaram por um modelo soft de cobertura, desviando de eventuais conflitos de interesses, ignorando os jogos de bastidores e observando a uma distância pra lá de segura os acontecimentos na arena.
Dois exemplos recentes. 1) Na semana passada, catorze dos 23 vereadores de Florianópolis foram indiciados pela Polícia Federal sob suspeita de fraudes e corrupção. Sem acompanhar de perto e de forma constante a Câmara Municipal, a imprensa surpreendeu-se com o escândalo junto com os leitores. 2) Pouco antes da campanha eleitoral começar pra valer, o Diário Catarinense jogou no lixo seu planejamento de cobertura para se adequar a uma reforma editorial que simplesmente sepultou as seções mais tradicionais do jornal, inclusive a política. Resultado: o principal diário de Santa Catarina simplesmente abdicou de cobrir a maior disputa por votos dos últimos anos para se assemelhar à já insossa Zero Hora, do mesmo conglomerado jornalístico.
O indiciamento de dois terços da Câmara de Vereadores de Florianópolis por corrupção é o fruto mais amargo da Operação Ave de Rapina e já é considerado o maior escândalo da história daquela casa. Não bastasse a longa lista dos arrolados no processo, há três aspectos que arrepiam os mais impassivos eleitores: o atual presidente (Cesar Farias, PSD), o futuro presidente (Erádio Gonçalves, PSD) e quatro dos cinco membros da Comissão de Ética foram implicados pela PF. As denúncias caíram como uma tempestade vulcânica na cidade, mas por que só agora? Porque há tempos os jornais não contam mais com setoristas no parlamento municipal, porque ficaram acomodados e dependentes dos despachos oficiais das assessorias, porque se desinteressaram pelos jogos paroquiais. Com isso, leitores (e eleitores) também ficaram sem o necessário abastecimento de notícias sobre o setor, alijados de decisões e movimentos importantes.
“Custa caro!”
Nos dias que antecederam as votações de outubro, enquanto o Diário Catarinense praticamente espremia a cobertura no espaço de seus colunistas, seu concorrente direto, Notícias do Dia, editava um caderno diário sobre as disputas eleitorais. Editava apesar da equipe enxuta e das limitações operacionais. A Notícia e Jornal de Santa Catarina limitavam-se a republicar o DC, com poucas brechas para os colunistas locais. Afora o período, nenhum diário do estado acompanha pra valer o trabalho legislativo dos 16 deputados federais, dos três senadores, dos 40 deputados estaduais. A cobertura política que resta fica concentrada à observação do Poder Executivo, já que o Judiciário também é ignorado.
Os mais desconfiados poderiam supor haja razões políticas por trás da cobertura flácida e descontinuada, mas arrisco em dizer que os motivos pretensamente financeiros são mais determinantes. As empresas jornalísticas têm sistematicamente apelado ao corte de custos para se adequar aos chamados novos tempos. Com isso, encolhem as equipes, fundem redações, deixam de investir na formação e especialização de profissionais, descartam repórteres e editores mais experientes (e, portanto, mais “caros”), e tentam extrair “produtividade” dos que permanecem. Isto é, entoam o mantra do “fazer mais com menos”, um slogan que só funciona na mente de administradores-confortavelmente-instalados-em-suas-salas-e-a-uma-distância-segura-da-realidade. Na prática, a conta não fecha. Afinal, como se pode produzir mais notícias, como se pode oferecer produtos jornalísticos mais complexos e bem elaborados (como especiais multimídia), como se pode disponibilizar isso mais rapidamente se as equipes estão cada vez mais enxutas, menos experientes e mais sobrecarregadas? Com tantas variáveis, como resolvemos a equação?
Historicamente, o empresariado do setor de comunicações sempre se queixou. Mesmo em tempos de vacas gordas. De forma invariável, é esperado que reclame agora, diante das incertezas sobre verbas publicitárias, sustentação dos negócios e a própria disponibilidade do público em ajudar a pagar por aqueles produtos e serviços. Mas o jornalismo continua sendo essencial para as sociedades, e pode continuar a ocupar uma função única de fiscalização dos poderes. Neste sentido, a cobertura política não pode ser colateral ou bissexta. Pelo contrário: deve ser entendida como prioritária e estratégica, sendo necessário envidar esforços para a composição de equipes bem preparadas, privilegiar espaços no noticiário e investir na qualidade das coberturas cotidianas e em reportagem investigativa. Os administradores-confortavelmente-instalados-em-suas-salas-e-a-uma-distância-segura-da-realidade arrancarão os cabelos: mas isso custa caro! Custa bem menos do que estamos pagando pelo desconhecimento das práticas desses gestores públicos corruptos e incompetentes. No fim da história, percebemos que a ignorância é o manto que encobre a corrupção e o capuz que venda a visão da sociedade.
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Rogério Christofoletti é professor de Jornalismo na UFSC e pesquisador do objETHOS