Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Disputa no subsolo

Cai cada vez mais o nível das baixarias que os Maioranas e os Barbalhos usam no seu confronto. Sinal de que não haverá paz nem mesmo trégua entre a eleição deste ano e a de 2016. Muito menos respeito e civilidade entre os inimigos.

No editorial com que comemorou os seus 68 anos, no dia 15 de novembro, O Liberal não apenas comemorou a data: aproveitou para fustigar seus competidores comerciais e inimigos políticos. Jurou que “abjeta, tem repulsa e nojo a mentiras e calúnias, que servem apenas para expressar o caráter pérfido, a baixeza de propósitos e os interesses espúrios daqueles que as disseminam”.

Por seu caráter de organização e família, o jornal dos Maiorana garantiu que “tem se mantido vigilante contra os que não têm pejo em mostrar suas garras, sempre dispostos a estendê-las em direção aos cofres públicos para tentar sugá-los a não mais poder”.

Esses ataques óbvios ao grupo de comunicação do senador Jader Barbalho, mesmo que desta vez não citado explicitamente, desencadearam nova temporada de baixarias entre as duas principais corporações da comunicação no Pará. A resposta do Diário do Pará veio através de uma nota na coluna “Repórter Diário” sobre vícios explícitos do diretor jurídico do grupo Liberal, Ronaldo Maiorana, numa invasão à sua privacidade.

O Liberal deu o troco através desta nota na principal coluna do jornal, o “Repórter 70”: “De tanto usar ‘laranjas’ em seus esquemas de malversação do dinheiro público, o maior corrupto da história do Pará acabou com um limão podre na cabeça. Aqui se faz, aqui se paga…”

O citado, obviamente, era o senador Jader Barbalho. Já a referência à laranja podre na cabeça era uma via indireta e despudorada de tratar a doença alheia. A nota tinha o propósito de reavivar a boataria segundo a qual o líder do PMDB paraense estaria com câncer no cérebro. As especulações foram reforçadas no dia seguinte pelo próprio “Repórter Diário”. A coluna informou que o ex-governador vai passar a cuidar do seu mandato e da política nacional em Brasília.

A política local ficará entregue totalmente ao filho, Helder Barbalho, o candidato derrotado do PMDB ao governo do Estado na eleição de outubro. O ex-prefeito de Ananindeua assumirá a presidência do partido “em tempo integral”.

De fato, um grupo de jovens médicos encontrou indícios de câncer na hipófise de Jader ao examinar o senador em São Paulo. Uma análise mais acurada, porém, teria constatado tratar-se de diabete em alto grau provocada por disfunção da glândula suprarrenal. O diagnóstico foi acompanhado pela recomendação de cuidados intensos e uma vida mais saudável, o que não combina mais com a atividade política do senador na província.

Se o limão podre que O Liberal colocou na cabeça do seu maior inimigo não procede, a condição de saúde de Jader vai provocar o seu gradativo distanciamento da frente de combate pelo poder local. Passará a ser o grande teste para a liderança de Helder Barbalho. Aos 35 anos e duplamente derrotado (na sua sucessão em Ananindeua e na eleição para o governo), ele precisará dizer a que veio – e se veio para ficar ou é chuva passageira na política paraense, sem estação própria.

Mas também será um enorme desafio para o grupo de comunicação da família Barbalho. A derrota obrigou seus responsáveis a uma drástica redução de despesas e visível encolhimento para prevenir a falta da publicidade oficial do Estado, drenada maciçamente para os veículos do grupo Liberal. A esperança do grupo RBA está nas verbas federais, mas as dificuldades do governo de Dilma Rousseff recomendam também cautela.

A disputa entre os Barbalhos e os Maioranas continuará, sem perspectiva de refluir. Ambos já estão pensando nas eleições municipais de 2016. Os Maiorana com o calor das máquinas públicas estadual e federal, das quais se tornaram extensão (ou vice-versa). Os Barbalhos ameaçados de encolher e, sem novo suporte, definhar até o desaparecimento, se não conseguirem novas vitórias e apoios.

A meteorologia política prevê muitos raios e temporais para os próximos meses.

 

O grupo Liberal está acima da lei

A expectativa, no dia 27 de novembro, era de que o Tribunal Regional Eleitoral realizaria sessão histórica para julgar uma das questões mais controversas e explosivas da sua pauta em todos os tempos. Foi colocada em apreciação decisão do juiz Marco Antonio Lobo Castelo Branco, que condenou a TV Liberal ao pagamento de multa no valor de inédito um milhão de reais, talvez a maior já arbitrada no âmbito do TRE – no Pará e no Brasil – a uma empresa jornalística.

A multa foi aplicada pelo magistrado porque um veículo das Organizações Romulo Maiorana, o jornal O Liberal, publicou o resultado da última pesquisa realizada pelo Ibope, na véspera da eleição do 2º turno para o governo do Estado. A responsável pela pesquisa era a emissora de televisão, afiliada à Rede Globo de Televisão.

Mas a Liberal foi intimada da proibição a tempo de ser abortada a iniciativa, já anunciada, de colocar no ar os números da sondagem do Ibope, que colocavam o governador Simão Jatene à frente da preferência popular, na busca da reeleição, contra o candidato do PMDB, Helder Barbalho. A coligação oposicionista apontava erros que comprometeriam a credibilidade da pesquisa.

Já que a TV fora imobilizada, os Maioranas armaram um ardil: suspenderam a impressão de O Liberal, que já estava sendo finalizada na noite da sexta-feira para sábado, de 26 para 27 de outubro. Alegando uma súbita manutenção no parque gráfico, acoplaram a edição de sábado à de domingo, retardando o horário de circulação da primeira e adiantando ainda mais a de domingo. Assim, a pesquisa foi publicada como se estivesse saindo na edição de sábado.

Os Maioranas alegaram que não podiam ter determinado a suspensão da distribuição do jornal porque ela já estava em curso e porque o jornal é personalidade jurídica distinta da televisão, que fora a única intimada da ordem judicial e, por isso, a única a cumpri-la. Essa obrigação não foi comunicada à direção do jornal.

Por 4 a 1 o Tribunal Regional Eleitoral decidiu anular o ato do juiz Marco Antonio Castelo Branco. O próprio juiz decidiu contra o seu ato. Alegou que o Ibope supriu em tempo as deficiências apontadas pela coligação do candidato Helder Barbalho, pondo fim às razões para o bloqueio da sua divulgação.

Se as irregularidades foram sanadas, a proibição imposta pelo juiz deixou de existir. E se ela já não existia, a desobediência à decisão não mais se caracterizava. Logo, a liminar concedida inicialmente por Castelo Branco ficou prejudicada e o castelo de cartas do processo (com perdão do trocadilho) desmoronou. Nada a ver com a quase agressão ao juiz por Ronaldo Maiorana num restaurante da cidade.

Para chegar ao resultado, o tribunal esqueceu que já não se tratava mais da pesquisa, se regular ou não, corrigida ou não, mas do ato deliberado – e caracterizado – de desrespeito à decisão judicial pelo grupo Liberal. A distinção alegada entre a televisão e o jornal não existe no âmbito da justiça eleitoral. A relação é com o grupo de comunicação, que responde solidariamente por tudo que diz respeito às eleições. Além disso, ficou clara a manobra para que o jornal publicasse a pesquisa do Ibope.

De fato, para espanto do cidadão, a manobra do Ibope e do seu contratante tem amparo legal. Quem realiza pesquisa eleitoral não apenas pode fazer apenas o depósito do resultado exclusivamente em forma digital, sem precisar imprimi-lo em papel, como pode corrigir erros no prazo de sete dias. Nenhuma restrição se, como ocorreu no Pará, a pesquisa for divulgada na véspera da eleição. A correção poderá ser feita quando a votação já foi computada e se tornou fato consumado.

No direito eleitoral, ninguém chora pela morte de Inês nem recolhe o leite derramado. Se houve fraude, ela já se consumou, causando eventual lesão irreparável, manipulando ou anulando a decisão do eleitor. E ainda autoriza o fraudador a se tornar impune, como aconteceu por decisão do TRE.

O tribunal tornou sua a argumentação de defesa da TV Liberal. No recurso, a emissora alegou ser excessiva a multa arbitrada, de um milhão de reais, que devia incidir sobre cada uma das divulgações feitas da pesquisa do Ibope, em número a ser apurado depois da sentença. O valor máximo estabelecido em lei é 10 vezes inferior. Só que a penalidade foi aplicada pelo juiz não por divulgação de pesquisa não registrada, mas por causa do descumprimento ostensivo e debochado da ordem judicial, como raras vezes (ou mesmo nunca) aconteceu.

O que o TRE acabou por deliberar foi se os Maioranas estão acima da lei, como autênticos donos de uma justiça privativa.

No Pará, estão.

 

Silêncio acusador do Diário do Pará

A decisão do TRE de cancelar a multa à TV Liberal não mereceu uma linha sequer da edição do dia seguinte do Diário do Pará. Se a deliberação do tribunal fosse pela manutenção da decisão do juiz Marco Antonio Castelo Branco, o jornal da família Barbalho teria feito um carnaval na primeira página – contra o concorrente comercial e o inimigo político.

O jornal perdeu o rumo profissional. Voltou a se incorporar sem reservas à campanha eleitoral de outubro em defesa dos interesses políticos de um dos seus donos, o ex-prefeito de Ananindeua, Helder Barbalho, que disputou o governo pelo PMDB contra Simão Jatene, do PSDB. Foi o mais grave retrocesso do jornal na busca pela profissionalização, que sempre empacou na muralha de interesses dos seus proprietários, a começar – e, principalmente – pelo senador Jader Barbalho.

Desta vez, tendo ido mais longe na sua parcialidade e passionalismo, o jornal não conseguiu retomar um padrão minimamente decente de jornalismo. Foi essa obtusidade que o fez ignorar a sessão do TRE.

Beneficiado pela nova decisão, a anunciou em manchete de primeira página. Na matéria interna, defendeu a revisão dizendo que a ordem judicial foi cumprida pela TV Liberal na noite da sexta-feira, 26 de outubro. A emissora já fizera três chamadas que antecipavam a divulgação da pesquisa do Ibope, quando recebeu a intimação judicial e suspendeu o que estava programado.

Só que na tarde dessa sexta-feira a TV encaminhou a pesquisa ao jornal do grupo. “Tanto o impresso como o [portal] ORM News não foram notificados da decisão da liminar. Como o jornal de sábado fecha na noite de sexta-feira, o resultado da pesquisa acabou sendo publicado no dia seguinte”, disse a notícia de O Liberal.

O texto é uma confissão de culpa. Na verdade, a impressão da edição de sábado foi suspensa logo depois da ciência da ordem judicial pela TV Liberal. Com a paralisação das máquinas, os jornaleiros não encontraram a edição de sábado quando foram buscá-la na oficina do jornal.

Foram então informados que o jornal de sábado iria circular mais tarde, junto com a edição de domingo. O ardil foi montado para justificar o que o texto da matéria viria a dizer com todas as letras: como a edição de sábado já estava sendo impressa, não foi mais possível impedir que a pesquisa fosse publicada.

Ou seja: O Liberal dá uma banana para a justiça, enquanto o Diário do Pará faz de conta que nada existe.

Pobre opinião pública paraense.

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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)