Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Internet: concorrente ou abrangente ao jornalismo impresso?

Pedem-me para comparar o impacto da Internet, atualmente, com o da televisão (e, acrescento, do rádio), em outros tempos, no jornalismo impresso.

A resposta implica diferençar mídias complementares de mídias concorrentes e mídias abrangentes.

Rádio e jornal são mídias complementares. A informação escrita permite remissão, recuperação e interrupção temporária da mensagem, admite a distração momentânea sem perda de sentido, possibilita o arquivamento e tem valor documental. Não ocorre isso com o rádio que, no entanto, é mais ágil, dispensa custos (papel, impressão, distribuição) e pode desenvolver vários tipos de comunicação, da mais formal à mais intimista; no período em que coexistiram em plenitude, o rádio foi grande indexador e promotor da venda de jornais.

Rádio e televisão são mídias concorrentes. A televisão incorporou cinema e rádio; com isso, suprimiu da audiência radiofônica a imaginação – personagens e ambientes deixaram de ser concebidos pelo receptor para ser oferecidos em forma de representações realistas ou cenográficas. Tomou, também, do rádio, a promoção de espetáculos musicais, seriados dramáticos, debates, conversas e a apresentação imediata de notícias de impacto. Sobraram a fruição com os outros sentidos ocupados (no trabalho, na sonorização de ambientes) e algumas formas de comunicação intimista, simbolizadas, antes, pelo radinho de pilha e, ainda hoje, pelo rádio do automóvel.

De modo geral, a televisão preservou, com relação ao jornal, a relação complementar. O viés de concorrência atingiu principalmente as revistas ilustradas – Life, Look, Paris Match, Réalités, Stern, Quick etc.– que tiveram seu apogeu na década de 1950. A desaparição de algumas dessas revistas deveu-se, em parte, a seu sucesso: como todos os veículos comerciais de comunicação impressos, tinham a tiragem situada entre um piso e um teto, definidos pelo aporte de recursos publicitários. No caso, ultrapassou-se o teto, que a existência da televisão fez rebaixar; Life, por exemplo, encerrou suas atividades quando tinha enorme mercado potencial de leitores.

Já Internet é mídia abrangente: não apenas instrumentaliza todas as outras como as engloba. Tende a tornar-se o hub por onde trafegam todas as mensagens – do longa-metragem ao selfie, do tratado ao bilhete, do caderno escolar ao livro de registro dos cartórios. Viabiliza a todos com vantagens evidentes e os compõe, se necessário, na informação multimídia. Trata-se de algo diferente, cujas repercussões não são ainda plenamente percebidas. Torna obsoletos os objetos livro e revista; o aquivo físico como conhecemos; as bibliotecas, que tendem a se tornar museus. Muda o espaço real de casas e escritórios, já que tudo cabe no universo virtual, reprodutível quanto se quiser em gravações digitais ultracompactas. Acentua o a característica de rito que os espetáculos já mostravam. Afeta a relação de vizinhança e as formas de aprendizado. Amplia o acesso à informação cultural.

O impacto do rádio

Quando o noticiário radiofônico se difundiu, nos anos de 1930 – tempos agitados, entre a depressão econômica que se seguiu ao craque de 1929 e a Segunda Guerra Mundial – a principal mudança na mídia impressa diária foi a supressão da urgência.

Antes, nas primeiras décadas do Século XX, os jornais diários tiravam edições extras a cada notícia de impacto e, em dias calmos, muitos deles circulavam em duas edições diárias, matutina e vespertina: a imagem de repórteres correndo para as cabinas telefônicas na disputa do furo é comum nos filmes da época.

As duas mídias se acomodaram – o rádio associando informação imediata, espetáculos de auditório, apresentações musicais em estúdio e radioteatro – e muitas emissoras terminaram associadas a empresas jornalísticas.

A presença da TV

Quando a TV superou a fase experimental e surgiu efetivamente como mídia, no final da década de 1940 e, principalmente, ao longo da década de 1950, sua atividade como difusora de informação jornalística reduzia-se a uma extensão do rádio: o locutor lendo notícias – no começo, de cabeça baixa, logo no teleprompter; narração em off sob imagem parada – fotografia, desenho, gráfico, radiofoto (fotografia enviada por ondas hertzianas, com perda de qualidade).

As primeiras sequências em movimento inseridas nos telejornais provinham de eventos locais e eram gravadas em filme negativo com câmeras movidas a corda (isto é, por molas helicoidais que se enroscavam em torno de um eixo); a reversão para positivo ocorria no processamento eletrônico.

Logo começaram a circular, via agências internacionais de notícias (UP, AP, Visnews) rolos de filmes que chegavam por via aérea, com pelo dois dias de atraso; para apresentá-los, costumava-se construir um lead expositivo para ser lido ao vivo, com fatos de atualidade, e, em seguida, legendar em off a narrativa: “na semana passada (ou anteontem)…”

Os satélites internacionais chegaram na década de 1970, quando se completava a interligação das regiões brasileiras por micro-ondas. A televisão colorida começou logo depois, com a implantação, aqui, do sistema Pal-M, o repasse de enormes recursos à Rede Globo e a adoção de seu “padrão de qualidade”.

A edição de filmes sonoros sobre eventos de atualidade foi retardada e prejudicada por um detalhe técnico: como a captação do som magnético se fazia, nos projetores a uma distância de vários fotogramas da imagem que estava sendo projetada, a montagem em moviola (pelo corte da fita) suprimia trechos da fala, música ou som ambiente. Esse problema persistiu quando se desenvolveram câmaras portáteis operacionais com gravação sonora (as CP, largamente usadas na cobertura da guerra do Vietnã) e filmes coloridos positivos (color reverse), no final da década de 1960. Câmeras eletrônicas portáteis (analógicas, coloridas) apareceram por volta de 1975, lançadas pela Sony.

A gravação de som e imagem em fita editável de duas polegadas (pouco mais de cinco centímetros) de largura – o videoteipe – surgiu no final da década de 1950 (consoles Quadruplex, fabricados pela Ampex, uma divisão da RCA Victor), mas as primeiras ilhas de edição (analógica) de mesa com fitas de ¾ de polegada (pouco menos de dois centímetros) e qualidade razoável foram lançadas no mercado em meados da década de 1970. A edição se fazia por copiagem; havia necessidade de um terceiro equipamento entre o aparelho emissor e o aparelho leitor; o TBC, time base corrector. O conjunto constituía uma ilha de edição e a capacidade de produção se media pelo número de ilhas disponíveis. A tecnologia evoluiu, daí em diante, no sentido da miniaturização e digitalização dos equipamentos, mas sem mudanças fundamentais na produção.

A consequência desse escalonamento na evolução da TV, determinado essencialmente pela tecnologia, é que os eventuais espaços de concorrência com os jornais jamais foram percebidos e os dois veículos se articularam, um promovendo o outro.

O futuro dos jornais impressos

Em tempo de Internet, o destino dos jornais impressos é incerto; isso poderia ser avaliado com maior clareza a partir de dados tais como a fabricação, atual ou projetada, de novas grandes unidades de impressão gráfica rotativa. A tendência é que se tornem mídia redundante e, portanto, tenham que buscar espaços marginais.

Na verdade, o que está sendo posto em xeque é o sistema de comunicação um-vários e a composição de redes que divergem a partir de centros de difusão – o modelo centralista denunciado no relatório MacBride, de 1975, Um mundo, muitas vozes; a condição dominante dos proprietários ou concessionários de canais em relação aos produtores; a própria estrutura da publicidade comercial. O desafio abrange não só jornais e revistas, mas também emissoras de rádio, televisão – não os produtos audiovisuais.

O jornalismo, sem dúvida, continuará existindo, seja qual for a base em que se veiculem suas mensagens: não há alternativa senão ter os jornalistas como intermediários na interlocução com fontes de informação necessariamente seletivas. Além dos motivos práticos, há razões institucionais para a preservação desse privilégio de acesso: a produção de informação pública tem consolidadas uma ética de convívio e práticas de controle social . A aparente liberdade propiciada pela Internet cria ambiente distinto da comunicação interpessoal, eliminando barreiras à transição do mundo real a mundos possíveis, do diálogo educado ao insulto; facilita o ressurgimento de toda sorte de conceitos e valores abandonados ao longo da História e que se mantinham recessivos na sociedade.

O fato de as empresas jornalísticas abrirem suas preocupações ao conhecimento de seus empregados e buscarem neles sugestões que as beneficiem é resultado dessa aparente falta de perspectivas.

De fato, o negócio jornal muda de dimensão, encolhe em termos econômicos, e o problema é que a estrutura de custeio, tanto quanto os centros de poder político, não está dimensionada para isso. A saída mais provável é que o fluxo de recursos seja desviado dos atuais empresários emissores para as companhias telefônicas que operam linhas de transmissão ou, mais provavelmente, para os mecanismos de busca que, racionalizando o acesso, impedem que o sistema se torne entrópico e inservível, salvo para comunicação interpessoal. Caberia a essas novas estruturas pulverizar os recursos entre os produtores, individuais ou organizados de alguma forma.

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Nilson Lage é jornalista e professor