Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

‘Por quem os sinos dobram?’

A jornalista Ângela Carrato publicou neste Observatório um texto intitulado “Por quem os sinos dobram“. Não há no texto nada de original, uma vez que se limita a disseminar a ideia de que a imprensa mineira sofre pressão dos tucanos. Mas o texto em si, seja pela parcialidade das informações tratadas, seja pela trajetória profissional e pessoal da autora, traz uma oportunidade especial para um mergulho nessa que é uma visível estratégia do PT contra o PSDB: na impossibilidade de apontar fatos que comprovem grande parte das críticas que fazem às administrações tucanas em Minas, espalham a ideia de que irregularidades não são conhecidas, não porque não existam, mas porque a imprensa não as revela, como se o estado fosse um quintal murado, isolado do mundo.

A verdade é que a grande vítima dessa campanha indiscriminada promovida pelo PT tem sido a reputação dos profissionais de imprensa de Minas, transformados, aos olhos do país, em pessoas sem caráter, dispostos a vender a consciência em troca de salário.

O texto de Ângela Carrato é uma obra acabada da hipocrisia política e conveniente simplismo desse tipo de argumentação e, por isso, acredito que mereça ser conhecido, assim como acredito que possa ser do interesse de muitos as informações que trato aqui.

Inicio com uma rápida recuperação da trajetória da professora Carrato, indispensável para a correta compreensão do raciocínio, que exponho a seguir.

Poucos sabem que Ângela Carrato foi assessora do senador Aécio Neves quando o mesmo ainda era deputado. Quem convivia na época com eles, comenta que tanto o senador quanto a irmã dele, Andrea, tinham respeito e amizade por ela. Tanto que, ao ser eleito governador, Aécio a convidou para um dos cargos mais importantes da área de comunicação do estado: a presidência da Rede Minas.

Aí começou o problema. A presidência de Ângela começou a ser muito criticada dentro e fora da TV. Funcionários da época ainda se recordam de vários dos fatos ocorridos na gestão de Ângela (que não vêm ao caso aqui).

No começo, o governador resistiu às ponderações de diversas áreas do governo, enfrentou as críticas que a gestão de Ângela recebia e renovou sua confiança nela, optando por mantê-la no cargo. Mas, diante do tamanho dos questionamentos que a gestão dela passou a sofrer, inclusive dentro da própria emissora, o governo não teve escolha a não ser substituí-la. A partir daí, Ângela iniciou uma cruzada pessoal contra o governador e toda a sua equipe.

Mas, como se diz por ai, nada como um dia após outro dia.

Em 2003, o PT começou a sua estratégia de acusar o governo tucano de pressionar a imprensa de Minas. Por ironia, nessa época, uma das vítimas do PT era a própria Ângela Carrato, acusada de censurar a Rede Minas.

Essa é uma carta enviada, no dia 07 de agosto de 2003, por Ângela Carrato ao presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais (ver abaixo o fac-símile da carta).

Eis alguns trechos da carta:

“Ao contrário do que os textos afirmam, não há por parte do Governador Aécio Neves e de sua administração nenhum cerceamento à liberdade de expressão, nem perseguição política. Essa é uma vergonhosa mentira publicada lamentavelmente pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais.”

“Como jornalista e professora de jornalismo da Universidade Federal de Minas Gerais sinto-me envergonhada por ver divulgados conteúdos como esses pelo meu próprio Sindicato.”

“Diante dessa injustiça, manifesto total e irrestrita solidariedade ao Governador de Minas Gerais, seus auxiliares e seu Núcleo de Comunicação por saber que realizam um trabalho sério, profissional, compromissado com a ética e com os interesses maiores do povo mineiro. A trajetória política do Governador e de seus auxiliares, entre os quais modestamente me incluo, é de luta contra qualquer tipo de arbitrariedade.”

A parcialidade da argumentação

Sobre o texto da professora Carrato:

1. Em todo o país, lamentavelmente, jornalistas estão sendo demitidos de inúmeros veículos, seja por corte de custos, seja por mudanças internas, seja até mesmo pela simples substituição de um profissional por outro considerado mais competente (ver “Demissões em massa de jornalistas nas redações brasileiras“).

Em Minas, a diretoria do Sindicato dos Jornalistas tem assistido a toda essa movimentação, mas, curiosamente só se manifesta de forma enfática quando algum dos demitidos é ligado ao PT. Na maioria dos casos, solta apenas uma nota protocolar e, ainda assim, sempre que possível, tenta vincular decisões empresariais a critérios políticos.

Em outras palavras, a diretoria do Sindicato do qual eu faço parte tenta transformar o fato de alguém ser ligado ao PT num seguro de permanência no emprego. Quando um jornalista é demitido, tudo bem. Mas se é ligado ao PT o caso deixa de ser demissão e passa a ser perseguição.

É o que demonstra o texto em questão. O jornal Estado de Minas – como a Folha de S.Paulo, Rede Globo, TV Record e Band, por exemplo – demitiu nos últimos meses mais de uma dezena de jornalistas.

O único caso que mereceu a mobilização real da direção do Sindicato dos Jornalistas, ligado ao PT e seus apoiadores, foi o do jornalista João Paulo Cunha que, por suas ligações com o PT, foi apresentado ao país como mais uma vítima da censura tucana no estado, exercida, segundo o PT, através do rígido controle das verbas publicitárias.

O curioso é que nem a contradição da estória parece incomodar quem a dissemina. O jornalista permaneceu no Estado de Minas, exercendo, como reconhece a própria jornalista em seu texto, com liberdade, sua função durante os 12 anos do governo tucano. Foi demitido, ao fim do governo do PSDB, e a culpa é do governo que acabou?

Veja o que Ângela, de forma contraditória, fala sobre o conteúdo de um dos cadernos do jornal Estado de Minas durante os 12 anos do governo tucano:

“Reunia colaboradores de tendências, gostos e credos diversos, publicando artigos e promovendo discussões sintonizadas com o que de melhor acontecia no país e no mundo em matéria de cultura, arte, psicanálise, meio ambiente, comportamento e, naturalmente, política”.

Ou seja, dependendo do interesse do momento, o mesmo jornal Estado de Minas ou serve aos interesses dos tucanos ou é um espaço de liberdade, debates e discussões!

O mesmo se dá no caso do jornal Hoje em dia. Onde estava o Sindicato quando, há poucos meses, a nova direção do jornal demitiu dezenas de jornalistas? Os simpatizantes do PT só se interessaram em criticar o jornal quando o mesmo entrou em rota de colisão com um profissional que, comenta-se, durante horário de trabalho, usou computadores da redação para criticar o jornal em que trabalha (por consequência o trabalho de seus colegas) em suas redes sociais.

Apenas como brincadeira, alguém imagina o William Bonner criticando o Jornal Nacional, na sua página pessoal do Facebook, durante o horário de trabalho e utilizando equipamentos da própria empresa em que trabalha?

O natural não seria que esse profissional, caso insatisfeito com o local de trabalho, tomasse a inciativa de deixá-lo, e exercer com liberdade e independência a sua crítica?

2. Continuando a leitura do texto, para defender a tese da grande perseguição que existiria em Minas, a jornalista vai além e, critica a apuração do jornal Hoje em Dia sobre o irmão da presidente Dilma Rousseff.

De forma preconceituosa com os profissionais de Minas, compara a cobertura do jornal com a de outros veículos e, mesmo sem ter uma apuração própria que possa ser usada como referência, escolhe como verdadeira a que melhor combina com sua conveniência pessoal e política.

Para tanto ignora, no caso, todas as evidências publicadas pelo jornal Hoje em Dia, assim como todas as que circularam no ambiente político do estado.

As evidências de que o irmão da presidente era um funcionário fantasma no gabinete do prefeito Fernando Pimentel? Apesar de todos os anos que teria “trabalhado” em BH, ele nunca teve endereço próprio na cidade, tendo registrado na prefeitura o endereço da casa de parentes.

Durante todos os anos, seu endereço na OAB Minas continuou sendo o do interior. A conta do banco em que recebia o salário da Prefeitura de Belo Horizonte? No interior.

Os veículos de imprensa pouco se interessaram em checar a história, nem tentaram ouvir, para confirmação, os possíveis colegas de gabinete do então servidor municipal Igor Rousseff, como a sua secretária, o funcionário do cafezinho ou o contínuo do Xerox, em que estacionamento ou garagem ele guardava o seu carro durante o trabalho, nem mesmo informar o telefone que utilizava no trabalho e o seu e-mail funcional.

Evidências de má apuração jornalística como essas foram ignoradas convenientemente pela professora Ângela Carrato para sustentar o seu raciocínio, assim como a jornalista preferiu ignorar outra coincidência: na mesma época, ao mesmo tempo em que o irmão da presidente, o ex-marido dela, Cláudio Galeno de Magalhães Linhares, também “colaborava” com o prefeito Pimentel em seu gabinete.

Ah, se essas evidências fossem contra um tucano…

O que mais me impressionou no texto foi a parcialidade da argumentação e a seleção de fatos, escolhidos a dedo pra sustentar uma tese pré-concebida, vindas justamente de uma professora de jornalismo. Ângela chega ao cúmulo de mencionar uma mensagem divulgada na intranet do jornal Estado de Minas sobre uma manifestação de apoio ao senador Aécio Neves, mas esconde dos leitores que mensagem de idêntico teor, divulgando manifestação de apoio à Dilma Rousseff também foi divulgada na mesma intranet!

Responsabilidade e isenção

Critica pesquisa divulgada pelo jornal Hoje em Dia, mas não menciona, por exemplo, a pesquisa do Ibope (mencionado por ela como referência de seriedade) que, na véspera da eleição divulgou no Jornal Nacional um resultado de 61% para Fernando Pimentel e 31% para Pimenta da Veiga, dos votos válidos, dando uma frente para o petista de 30 pontos percentuais quando a realidade a frente foi de 11 pontos percentuais, também dos votos válidos.

Ou seja, na visão da professora um jornal de pequena circulação, publicar uma pesquisa com uma frente para o senador Aécio Neves que não se confirmou é crime.

Nesse caso, o que seria um instituto do peso do Ibope divulgar no Jornal Nacional uma pesquisa, na véspera da eleição, dando ao candidato do PT uma frente que não se confirmou? Apesar do erro do Ibope a favor do PT ter sido maior que o erro do Veritá a favor do PSDB, de forma conveniente, a professora se esqueceu de mencionar esse exemplo.

3. Vou dar alguns outros exemplos do que você não vai ler nos textos da professora Carrato, porque joga no lixo esse raciocínio maniqueísta, previamente orientado e que, por interesses políticos, vem sendo amplamente divulgado:

No dia 18 de dezembro de 2014, o Ministério Público Eleitoral de Minas Gerais entrou com uma ação pedindo a cassação do governador eleito Pimentel por graves irregularidades na campanha eleitoral. Por decisão editorial, o assunto não foi destaque na capa do principal jornal do estado, o Estado de Minas.

Se o denunciado fosse do PSDB e o jornal tivesse tomado a mesma decisão editorial, o PT veria aí uma prova da pressão tucana sobre o jornal. Como o pretenso beneficiário da decisão editorial do jornal foi o governador do PT, a decisão foi considerada normal e convenientemente e os petistas fingem que não viram (ver abaixo reprodução da capa da edição do Estado de Minas de 19/12/2014).

Em dezembro de 2014 o governo federal devia a empresas de Minas R$ 2 bilhões. O Estado devia R$ 250 milhões. Apesar de a dívida federal ser muito maior, o jornal Hoje em Dia em sua manchete de capa, na edição do dia 23/12/2014, deu uma mão ao governo federal do PT e destacou a dívida apenas do estado (ver abaixo o fac-símile da capa do Hoje em Dia).

Não vi ninguém do PT questionando a manchete que, de forma incompreensível, beneficia o PT.

O governador Pimentel assumiu o governo e, na contra mão de todo o país, pretende aumentar o número de secretarias, além de aumentar salários do governador e dos secretários de estado.

O que seria motivo mais que justificado para críticas, afinal o novo governo de Minas vai na contra mão do país, foi totalmente ignorado na cobertura de O Tempo.

Para tanto, o jornal publica como fruto de apuração própria, falsas informações distribuídas pelo release do governo ou ditas por membros do PT. Basta dizer que o escritório do governo de Minas em Brasília não será extinto, apenas perderá o status de secretaria e o Escritório de Prioridades Estratégicas, unidade transitória, já tinha a sua extinção em 2015 prevista na Lei que o criou, não sendo, portanto, sua extinção iniciativa do novo governo.

O Tempo chegou ao cúmulo de assumir em editorial, como verdade, informação falsa dada pelo governo Pimentel de que não haveria dinheiro suficiente em caixa para pagar o funcionalismo (ver abaixo o texto do editorial).

Depois que deputados de oposição mostraram as contas em que havia o recurso, o governo petista teve que voltar atrás e reconhecer que havia recursos.

No mesmo editorial, transformado em porta voz do governo petista, o jornal informa que “finalmente, teremos a expansão do metrô, as obras da BR-381 e o Anel Rodoviário, os aposentados irão receber seus precatórios, e o governo vai zerar o pagamento das indenizações aos perseguidos políticos de 1964”.

Alguém já imaginou se o jornal tivesse um comportamento desses para defender um governo do PSDB?

Como se vê, por mais que tanta gente tente, a história não é bem a que tantos se esforçam para contar do mesmo jeito. É só olhar de perto. Com responsabilidade e um mínimo de isenção.

Documentos anexos

>> Carta enviada pela Ângela Carrato ao presidente do Sindicato dos Jornalistas, em 07/08/2003:

 

 

>> Capa do jornal Estado de Minas, edição de 19/12/2014, sem qualquer destaque para o pedido de cassação do mandato do governador Fernando Pimentel feito pelo Ministério Público Eleitoral em Minas:

 

 

>> Capa do jornal Hoje em Dia que dá manchete sobre a dívida de Minas com empreiteiras, mesmo a dívida mineira, como afirma o próprio jornal ser pouco mais de 10% da divida do governo federal com as mesmas empresas:

 

 

>> Editorial publicado pelo jornal O Tempo, no dia 03/01/2015, em que propaga a mentira do PT de que não teria dinheiro em caixa para pagar o salário de dezembro dos servidores públicos estadual mineiro no 5º dia útil:

 

Descriç?o: http://clipping.ideiafixa.com.br/site/bancoArquivos/noticias/2015/01/03/4115922.jpg

 

>> Matéria publicada pelo jornal O Tempo, em 31/12/2014, com a cobertura da nomeação dos secretários estaduais e a reforma administrativa do novo governo que criou quatro novas secretarias:

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Gabriel Sousa Marques de Azevedo é jornalista e professor de Direito Constitucional