Impressiona a pouca ênfase que os jornais de maior circulação no Brasil, em suas versões online, deram à manifestação ocorrida no sábado (31/1) num dos principais endereços da capital espanhola. Na busca de maiores informações sobre o ocorrido, pode-se digitar no Google, em português, a expressão “manifestação em Madrid” e ver uma série de respostas nos direcionando a sítios lusitanos. O número de participantes foi calculado em 100 mil
Se quisermos ler em nossos “principais” jornais o que houve na Espanha, temos que vasculhar os frames, as diferentes seções, e rolar um bocado a barra lateral de navegação para encontrarmos notícias compiladas da mesma fonte dos tais periódicos lusitanos.
A manifestação, que teve como força propulsora as eleições na Grécia, com a vitória do Syriza, parece não interessar muito aos periódicos que tantos favores prestam às forças econômicas estrangeiras. Mesmas forças que sufocaram a Grécia nisso que eles chamam de salvamento da economia da zona do euro. O problema não são as verdades ou mentiras sobre essa questão de salvamento da economia europeia. O problema é sempre aceitar que questões humanistas (até onde sei, a liberdade é uma questão de humanidade) possam ser sacrificadas em prol de um salvamento econômico. E é contra isso que os europeus começam a sinalizar ao eleger um governo de oposição na Grécia e ao tomarem as ruas de Madrid. E é exatamente isso que os jornais do Brasil preferem não fazer virar debate.
Noticiar, como fizeram o Estado de S.Paulo e O Globo, reproduzindo agências de notícias, está bem longe de transformar um assunto em debate. Aliás, essa manifestação não ganha destaque nem mesmo entre as notícias internacionais desses jornais. Ela aparece como mais uma dentre as tantas tristes notícias dos conflitos pelo mundo. Mas espera aí! Essa é uma notícia diferente. Ela talvez seja o contraponto às notícias deprimentes de conflitos que estamos acostumados a ver com tanta frequência (mesmo que essa manifestação gere conflitos).
A falta de interesse
Claro, para que haja debate sobre um fenômeno como esse é necessário tempo de digestão das informações e amadurecimento das ideias, mas o primeiro passo não foi dado, as informações não apareceram com o destaque que mereciam para resultarem em interesse público.
Um ponto, entre tantos outros de desdobramento sócio histórico, que poderia começar a ser trabalhado na veiculação desses acontecimentos, é a demonstração, por exemplo, das diferentes motivações com que se vai às ruas na Europa, se comparado ao Brasil. Sem querer estabelecer uma comparação reducionista e infrutífera entre os dois continentes, vale destacar o tipo de pautas que têm levado os europeus às ruas. Elas são mais subjetivas, abstratas, conceituais. A de Madrid foi convocada contra a austeridade do governo. É contra uma prática bastante objetiva do governo? Sim, mas é também contra um conceito, uma postura, uma ideia, uma solução.
As manifestações no Brasil têm um perfil um pouco mais pontual: reivindica-se, aparentemente, contra aumento de tarifas de transporte, contra falta d’água, contra falta de moradia (todas elas absolutamente legítimas). Não significa que por serem assim sejam menos dignas, significa que o país tem outro perfil, o de exigir (a própria população faz isso) que as pautas sejam claras e objetivas, e não subjetivas, ou pouco definidas. E a população exige isso muito em função da forma como os noticiários veiculam as manifestações; muito em função de como a mídia “fomenta” esse debate protegendo os interesses de grupos muito parecidos com aqueles que estão agora na mira das manifestações europeias. Daí a falta de interesse em fomentar publicamente essa discussão que em muito ajudaria a nós, brasileiros, entendermos que nossas manifestações também não são apenas pontuais, por 50 centavos, elas são também conceituais. Tomamos as ruas porque cada vez menos interferimos nas decisões da res publica. Isso não aparece no jornal.
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Cristiano de Sales é professor de Comunicação Social