Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cedo demais para morrer

Ela estreou sem ter nada de bom a contar sobre o Brasil. Pelo contrário, o texto desta semana resumiu a descida aos infernos da Petrobras e fez um diagnóstico certeiro: o mais difícil para o novo presidente da petrolífera será resistir à intervenção do governo que transformou a maior empresa brasileira na menos rentável companhia de petróleo do mundo. Ela é Zanny Minton Beddoes, uma lourinha com cara de universitária, jornalista cuja opinião vai mexer com a temperatura política e econômica de muitos países. Semana passada, Zanny tornou-se a primeira mulher em 172 anos a dirigir a “Economist”, a revista semanal cujos elogios são comemorados como prêmios pelos governos e críticas podem criar crises em momentos frágeis. No caso do Brasil, foi assim quando o Cristo decolava rumo aos céus numa capa e, na outra, se jogava no mar: de queridinho, passou a ser um dos países frágeis entre os Brics.

Zanny substitui John Micklethwait, que sucumbiu a uma proposta considerada irrecusável para virar editor-chefe da Bloomberg. A escolha do novo diretor da “Economist” tem um clima parecido com o do conclave dos cardeais: em voto secreto, os editores elegem o novo chefe. Zanny, ex-editora de negócios, passa a mandar em tudo: no papel, no digital e no comercial. Pega a revista num bom momento, a circulação cresceu de 600 mil em 2006 para 1,5 milhão, e o lucro dobrou para 59 milhões de libras ou cerca de R$ 236 milhões. Como nada é só festa, teve em 2014 a primeira queda em 15 anos.

Nada mal para uma indústria, periodicamente, condenada à morte pela revolução digital, mas que ainda dá muitos sinais de vitalidade. Já existe uma nova rubrica para classificar as reinvenções da velha mídia: start-ups jornalísticas. Start-up, a gente sabe, é a expressão usada para designar a microempresa formada em torno de uma ideia inovadora. Facebook, Twitter, iTunes já estiveram nesse grupo antes de virarem os novos gigantes globais. Uma das inovações bem sucedidas foi a “Serial”, série jornalística que ressuscitou os podcasts ou arquivos sonoros – uma coisa meio nerd que passou a ter relativo sucesso depois dos iPods, mas já era dada como ultrapassada. Tudo começou com uma veterana jornalista da rádio pública americana decidida a apurar de novo a história de Adnan Sayed, um condenado à prisão perpétua por estrangular sua ex-colega de colégio em 1999. A reportagem, transmitida em nove capítulos, virou um estrondoso sucesso: foi ouvida por 1,5 milhão de pessoas por dia, teve 5 milhões de downloads, um recorde absoluto na loja da Apple e na história dos podcasts. A jornalista descobriu novos fatos e desmontou álibis, criou polêmica, suscitou debate sobre a Justiça e deixou os EUA em suspense até revelar se o jovem era inocente ou culpado – o diretor do hit “House of Cards” alardeou que não começava a trabalhar antes de ouvir a série. Agora, os produtores do programa, “This American Life”, e a combativa repórter estão fazendo um crowdfunding – pedido de financiamento ao público – para uma nova reportagem investigativa.

Cabeças pensantes

As ideias são ótimas. Uma delas é a Revista Teatral, em que repórteres, fotógrafos e ilustradores – todos da mídia tradicional – sobem ao palco para contar/representar os fatos jornalísticos da semana. Vendem ingressos – geralmente esgotados em segundos – e apresentam-se para até 3 mil pessoas. “É como se contassem o que foi produzido por uma revista, mostrassem como apuraram e apresentassem pautas não convencionais”, explica a professora e pesquisadora Adriana Barsotti, que recém-lançou o ótimo “Jornalistas em mutação”.

A Vox Media é outro achado, uma mistura de reportagem com Wikipédia, algo na linha “respondemos às perguntas que você tem vergonha de fazer”. Foi inventado por três ex-jornalistas do “Washington Post” e cai muito bem em longas coberturas como, por exemplo, a da Petrobras. Atualizam a história, mas os leitores não correm risco de se perder, têm sempre os lances anteriores e o quem é quem na história. Mais uma genial é a Storyful, que se vende como a primeira agência de notícia da era das mídias sociais. Misturando tecnologia e apuração jornalística, eles vão verificar a veracidade das informações postadas na rede. Por exemplo, descobrem se as imagens de destruição do furacão acabaram de acontecer ou são de anos atrás. Ganham dinheiro vendendo assinaturas à mídia, liberada para publicar sem medo vídeos e ou informações. Já teria sido comprada pelo grupo Murdoch.

Talvez a mais admirada pelos jornalistas seja a ProPublica, redação focada em reportagens investigativas, que já faturou vários Pulitzer – o maior prêmio do jornalismo americano. É uma empresa independente, financiada com US$ 10 milhões por ano da Sandler Foundation, com 45 repórteres trabalhando em histórias de interesse público e com o que chamam de força moral. A produção deles é publicada de graça pelos grandes jornais.

São exemplos de cabeças pensantes produzindo boas ideias e bom jornalismo. Vamos combinar que está difícil, mas ainda é possível achar boas notícias.

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Helena Celestino, do Globo