Só dá notícia ruim. A novidade do dia é pior do que a da véspera e o panorama que se avista é desolador. Não se está falando aqui de petrolão nem do início do segundo mandato de Dilma Rousseff. O desalento é com a sucessão de baixas sofridas pelo jornalismo dos Estados Unidos na última semana. Embora os itens da lista sejam de natureza diversa e tenham impacto desigual, tudo aponta numa mesma direção: reina uma orfandade no ar.
A sucessão recente de baques começou na terça [10/2] quando Brian Williams, o âncora do jornal televisivo de maior audiência dos Estados Unidos, foi apeado da bancada por fazer reiteradamente narrativas falsas de acontecimentos que cobriu. Não há o que comemorar na suspensão de Williams (salário anual de US$ 10 milhões) por seis meses, sem remuneração, decidida a fórceps pela NBC. Os 10 milhões de americanos que ainda têm o hábito de se informar diariamente pelo Nightly News devem estar se sentindo como o pequeno investidor da Petrobras.
Williams tem pouco da linhagem dos grandes nomes que o precederam no ofício de explicar o mundo com confiabilidade. Edward W. Murrow exerceu esse papel com maestria e finesse durante a II Guerra. Walter Cronkite foi a voz da razão no país dilacerado pela guerra do Vietnã, da emoção dosada para a nação absorver o assassinato de J.F. Kennedy. Dan Rather foi o homem certo para explicar a presidência à deriva de Richard Nixon.
Hoje, com a multiplicidade de novas mídias e o leque ampliado de fontes de informação, o âncora convencional é uma raça em extinção, pelo menos nos Estados Unidos. Reformatado para os tempos atuais, foi-lhe adicionada a função de celebridade. Os espécimes modernos, quando catapultados para locais de tragédias ou notícias “quentes”, apreciam tornar-se eles mesmos parte do acontecimento.
Dias antes de morrer em plena redação do New York Times, na noite de quinta-feira [12/2], o crítico de mídias David Carr comentou o caso Williams com maravilhosa acidez e a habitual honestidade: “Queremos que o âncora seja impossivelmente famoso, divertido, corajoso e confiável. Ninguém tem um perfil desses”. O erro de Brian Williams foi acreditar na job description.
Carr fará falta. Sua coluna semanal também. “The Media Equation” tinha serventia para jornalistas de qualquer país, além de encantar a apreciadores de humor raro e textos claros.
Credibilidade de sobra
Outra morte de jornalista americano, ocorrida na véspera do colapso de Carr, serve de ocasião para lembrar que houve um tempo em que repórter era o meio, não o fim da notícia. Bob Simon foi um veterano correspondente de guerra da emissora CBS. Cobriu 35 conflitos para o programa jornalístico 60 Minutes e nunca se vangloriou de quase ter perdido a vida algumas vezes. Nem escreveu sobre ferimentos leves, detenções breves e outros sobressaltos.
Relatou em livro o único episódio que lhe deixou marcas: a prisão por 40 dias em mãos de tropas do ex-presidente Saddam Hussein. Ganhou 27 prêmios Emmy, quatro Peabody Awards e morreu esta semana [passada] aos 73 anos porque o motorista do táxi no qual viajava enfartou. Isso Bob Simon talvez considerasse notícia.
Resta falar de Jon Stewart, o aclamado apresentador do Daily Show que deve deixar o comando do programa satírico até o final do ano. O desalento provocado pelo inesperado anúncio é explicável: por mérito de sua inteligência, talento, sutil seriedade e fino escracho, Stewart tornou-se a voz mais confiável da televisão americana para o público de 18 a 24 anos. Justamente a audiência mais fugidia para outras emissoras no horário noturno do Daily Show.
Ao longo dos 16 anos em que o comediante chefiou a bancada o programa tornou-se uma espécie de ponto de encontro dos desencantados com a mídia convencional. Stewart conseguiu reinventar o jornalismo sério e confiável através da comédia. É temido e respeitado por seus críticos; admirado e invejado por seus colegas de profissão (Stewart é formado em jornalismo), talvez por dizer com frequência o que os colegas gostariam de dizer ou escrever.
“Ele nos educava e nos lembrava que pessoas de mentalidade sã, inteligentes e decentes existem. Precisávamos dele”, escreveu a colunista Sarah Larson, da New Yorker, em tom de luto.
No contexto da semana, vale relembrar a vez em que o convidado ao Daily Show foi o âncora Brian Williams. Em determinado momento Williams comenta que quando escreve o roteiro do seu telejornal pensa nas críticas mordazes que poderá receber de Stewart.
“Mas não é você quem escreve nada do que é lido!”, retruca Stewart de bate-pronto, com sorriso-letal/angelical. “Eu sei como é: alguém retira você do refrigerador cinco minutos antes do início do telejornal e te senta na frente de um texto com escrita fonética.”
Há quem considere Jon Stewart a melhor reencarnação de âncora para os tempos modernos. Credibilidade ele tem aos montes. Nenhuma outra celebridade ou político consegue parecer sincera ao justificar a saída do que quer que seja para “dar um tempo, ficar mais com a família”. Stewart fez isso no anúncio de despedida, e com graça: “Vou jantar com a família em dias de semana. Fui informado por várias fontes confiáveis que se trata de pessoas adoráveis”.
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Dorrit Harazim é jornalista