Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O velório da formalidade

Entre exterminar-se ou sobreviver, o jornalismo tradicional está se rendendo à segunda opção. O semblante e o tom sisudo dos âncoras de noticiários da televisivos ganham, há alguns anos, sorrisos largos e diálogos temperados com gracejos e parcialidade diante da notícia. Articulistas se alçam ao status de estrelas nos principais jornais do país. Colunistas são as maiores atrações dos grandes veículos impressos. Mesmo que no Brasil a anunciada atitude partidária da imprensa pratique presságios apocalípticos, a guinada na postura parece irreversível.

As redes sociais mudaram os costumes, a internet conectou cérebros. Apesar de sabermos que 90% das buscas estão no Google, que 80% dos sistemas operacionais em uso pertencem à Microsoft e 90% dos vídeos se concentram no YouTube, é inegável que o público passou a se interessar mais pela opinião do que pela frieza da notícia. O velho e questionável distanciamento da imprensa precisou tomar partido para se adaptar. Antes um intermediador entre a matéria e o leitor, o jornalismo se vê acuado e compelido em acatar a proximidade com o seu destinatário. A imparcialidade está obsoleta. Ainda é cedo para concluir se o abandono dessa premissa original terá resultado positivo com o tempo. Entretanto, já é visível a polarização que vem brotando em todos os campos, com destaque para a política.

Não é fácil compreender a nova ordem. Os gigantes da comunicação continuam tateando os sinuosos caminhos que as novas mídias abriram e aprendem que a prudência tornou-se imprescindível. Atrás do teclado de um computador, o indivíduo também descobre as novas regras de convivência, tomar partido pode resultar em perder amigos e ser excluído de grupos. O personagem Maria Vai Com As Outras ficou mais explícito na revolução cibernética; ele segue sem pudores o que imagina ter mais peso. A humanidade decidiu e exige que se mostre a cara.

Dias de overdose digital

Interessante é olhar para trás e suspeitar que a imprensa nacional talvez esteja reciclando os saudosos cronistas do passado, os nossos articulistas de outrora – nomes como João do Rio, Antônio Maria, Nelson Rodrigues, Paulo Francis etc. Reacionários ou progressistas, revolucionários ou conservadores, ergueram os pilares dos nossos jornais. As notícias registram os fragmentos pueris do cotidiano, mas é a opinião que escreve a história.

Hoje, cada cidadão é um repórter atuante, quebrando as amarras, fragilizando os monopólios da informação, emitindo e refratando o que acontece na sociedade. Não existem mais verdades absolutas. A dúvida é a melhor ferramenta para traduzirmos o que nos rodeia, é um pré-requisito para interpretar o mundo contemporâneo. Quebraram-se os paradigmas, o jornalismo rompeu com os próprios padrões. O que era um indiferente aperto de mão, agora não pode ser nada menos do que um abraço.

É intrigante observar o jornalismo adotando o apelo literário para obter sincronia com os novos canais de interação. Enquanto isso, a literatura, na contramão da modernidade, vem preferindo apegar-se a fórmulas e conceitos frígidos que a industrializam com a intenção de conferir-lhe um perfil comercial e acessível intelectualmente. Para quê? Para ser fácil? Por que precisa ser fácil? Nada que revela a vida pode ser tão fácil.

Em dias de overdose digital, levantes populares nascem e morrem sem explicações definitivas. Governos caem, governantes sobem. Eleições detonam uma guerra civil virtual que inverte o placar a todo momento. O anonimato de um instante é a fama do minuto seguinte. Confrontando o avanço vertiginoso da tecnologia, habitamos o imprevisível. Num amanhã próximo, poderá ser possível que um artigo como este nem termine com um ponto final. Quem sabe se encerre em reticências ou talvez até com uma vírgula? No século 21 sempre é possível dizer algo mais e cada vez sabemos menos o que está por vir…

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Alexandre Coslei é jornalista