Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Tradição e história

Em 2013 comemorou-se o centenário de morte de Francisco Antônio Vieira Caldas Júnior (1868-1913), responsável pela criação, em 1895, do jornal Correio do Povo, em Porto Alegre. Neste ano de 2015 o seu jornal completará 120 anos de fundação, sendo o mais antigo a circular, na capital gaúcha, e um dos principais veículos de comunicação do Rio Grande do Sul e do Brasil.

Nascido em Sergipe, era filho do bacharel Francisco Vieira Caldas e da poetisa Maria Emília Wanderley Caldas. Em 1872, sua família se mudou para Santo Antônio da Patrulha, onde seu pai passou a exercer a função de juiz municipal.

No ano de 1880, a família se transferiu para Porto Alegre e Caldas Júnior passou a frequentar o curso secundário no Colégio São Pedro. Com 17 anos, trabalhou como revisor e noticiarista no jornal A Reforma (1869-1912), no período de 1885 a 1888, assumindo a direção desse periódico, na qual permaneceu até o ano de 1891. Este jornal, fundado pelo líder maragato Gaspar Silveira Martins (1835-1901), opunha-se ao centralismo político do Partido Republicano Rio-grandense (PRR), liderado por Julio Prates de Castilhos (1860-1903). Exerceu, também, o cargo de redator-chefe no Jornal do Comércio de 1891 a 1895. Neste ínterim, casou-se com a filha do escritor Aquiles Porto Alegre (1848-1926), nascendo dessa união Fernando Caldas.

Nova proposta na imprensa gaúcha

Durante a Revolução Federalista (1893-1895), seu pai, que era maragato (lenço vermelho), foi preso pelos pica-paus (lenço branco), adeptos do Partido Republicano Rio-grandense (PRR), sendo fuzilado na Ilha do Desterro (SC) em 1894. Apesar das dificuldades, após a morte de seu pai, Caldas Junior levantou um pequeno capital de 20 contos de réis entre o comércio porto-alegrense e investiu na criação do jornal, cujo título seria Correio do Povo. Fundado em 1º de outubro de 1895, o novo periódico trazia uma proposta de imparcialidade, afastando-se da esfera político-partidária. Até aquele momento, desde a criação do nosso 1º jornal, O Diário de Porto Alegre (1827), o jornalismo político-ideológico norteava a imprensa local.

A população que se refazia de uma guerra fratricida, entre pica-paus e maragatos, aprovou o novo jornal que se propunha a informar, evitando o caráter opinativo e partidário. O Correio do Povo, em formato standard (grande), apresentou-se ao leitor como “órgão de nenhuma facção, que não se escraviza a cogitações de ordem subalterna”. De acordo com o jornalista Walter Galvani, o Correio do Povo é um marco divisor do jornalismo no Rio Grande do Sul, pois assumiu o caráter empresarial, iniciando uma nova fase na imprensa gaúcha que adentrava no século 20.

Modernidade

Em 1910, o Correio do Povo adquiriu a primeira rotativa no estado, da marca Marinoni, que aumentou a sua produção e qualidade. De acordo com o pesquisador Francisco Rüdiger, sua produção de 1.000 exemplares em 1895, cresceu para 10.000 quando se encerrava o primeiro decênio do século 20.

Além de figura ímpar da nossa imprensa, Caldas Júnior era também poeta e assinava com o codinome Tenório, sendo um dos fundadores da Academia Rio-Grandense de Letras (1901). O fundador do Correio do Povo percebeu como um visionário as mudanças que nossa imprensa exigia no limiar do século 20. Em 9/04/1913, a morte de Caldas Júnior causou preocupação quanto ao destino do jornal, porém a dedicação de sua segunda esposa, Dolores Alcaraz Caldas, manteve a família unida, evitando que o jornal encerrasse suas portas.

Entre outros nomes, destaca-se o filho Breno Caldas (1910-1989) que dirigiu o jornal de 1935 a 1984, período no qual a empresa cresceu bastante e inovou. Durante o período, em que esteve à frente da empresa, destacam-se o sucesso do Caderno de Sábado (1967-1981) que se constituiu numa das melhores produções culturais no estado; a Folha da Tarde (1936-1984) que, na forma tabloide, foi um enorme êxito editorial; a Folha da Manhã (1969-1982) que se destacou pela moderna diagramação e o suplementoLetras & Livros (1981), tratando de temas literários. Entre tantos nomes ilustres, do nosso universo cultural, Mário Quintana (1906-1994) passou a colaborar no Correio do Povo, em seu Caderno H, a partir de 1953. Durante a direção de Breno Caldas, foram criadas a Rádio Guaíba (1957) e a TV Guaíba (1979) A primeira, em 1961, passou para a história, por liderar a Rede da Legalidade, criada por Leonel Brizola (1922-2004), em defesa da posse de João Goulart na presidência do Brasil.

Infelizmente, em 1984, Breno Caldas enfrentou uma crise econômica que não conseguiu reverter, fechando a empresa jornalística. A população ficou aturdida, com o término de seu tradicional jornal, que completava 89 anos de circulação. Felizmente, em maio de 1986, o Correio do Povo voltou a circular graças ao esforço do empresário Renato Bastos Ribeiro. O Correio do Povo é o pioneiro na América do Sul com o sistema de transmissão digitalizada via satélite.

Atualmente, desde 2007, o Correio do Povo pertence à Rede Record e segue sua missão de informar, levando ao mais distante rincão os fatos mais importantes ocorridos no Rio Grande do Sul e noutros estados brasileiros. O sonho do seu fundador Caldas Júnior permanece…

Bibliografia

DILLENBURG,Sérgio. Correio do Povo / História e Memórias. Passo Fundo: Ediupf, 1997.

FLORES, Hilda Agnes Hübner (org.). Correio do Povo 100 anos. Porto Alegre: Cipel / Nova Dimensão, 1995.

GALVANI,Walter. Um Século de Poder / Os bastidores da Caldas Júnior. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1995.

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Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite é pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa