“C’est dur d’être aimé par des cons” (É duro ser amado por babacas), dizia um profeta Maomé com as mãos na cabeça na charge de Cabu na edição de Charlie Hebdo que republicou, em 2006, as polêmicas charges do jornal dinamarques Jyllands-Posten. Um subtítulo dizia: “Maomé arrasado com os integristas”.
Os sobreviventes do jornal francês, que somente em final de fevereiro voltou a ser semanal – depois do massacre de 7 de janeiro saíra apenas um número especial, na semana seguinte –, têm agora muitos problemas. Mas não podem se queixar da falta de leitores nem de dinheiro para continuar a aventura. Poderiam até se inspirar na nova situação e desenhar os cartunistas dentro de uma piscina de notas de euros (remember Tio Patinhas) dizendo: “Como é bom ser amados pelos franceses”.
Um dos problemas maiores agora é com a segurança dos sobreviventes e dos novos talentos que se juntaram à redação que restou. Os irredutíveis que se salvaram, como os cartunistas Luz e Riss, contam como foi difícil encontrar novos talentos pois todos sabem o quanto se expõem ao trabalhar no jornal. Mas além de recrutar novos jornalistas-cartunistas, o jornal teve que providenciar novo local para a redação – de propriedade da Prefeitura de Paris –, prever a blindagem, dispositivos antibombas etc. E ainda assegurar a proteção de Riss, o novo diretor, já sob uma fatwa de islâmicos radicais.
E, last but not least, a redação tem que decidir o sistema de gestão dos novos recursos, dignos de magnatas da imprensa. Os jornalistas pretendem instaurar um sistema de autogestão, uma cooperativa, espécie de sociedade dos redatores na qual todos terão voz.
Outra face
Sim, porque foi-se o tempo em que o jornal tinha apenas 8 mil assinantes e vendia entre 25 a 40 mil exemplares por semana. Dava apenas para fechar o mês sem dívidas. Uma semana antes do massacre, os principais responsáveis pelo jornal haviam sido recebidos pelo presidente François Hollande para estudar uma ajuda para salvar o semanário.
Agora ele tem 200 mil assinantes e está rico. As doações depois do atentado foram fantásticas. Mais de 24 mil particulares fizeram dons no site jaidecharlie.frque chegaram a 1,75 milhão de euros. Google doou 250 mil euros e a associação Presse et Pluralisme (cujo combate é o pluralismo na imprensa) doou 200 mil euros. O mundo inteiro comprou a edição de 14 de janeiro, que vendeu 8 milhões de exemplares. O total de doações e vendas gerou uma fabulosa receita calculada em 10 milhões de euros.
Segundo Riss, o novo diretor, as doações serão divididas entre as famílias das vítimas do atentado e uma parte servirá para criar uma fundação de ajuda a cartunistas ameaçados em diversos países.
No primeiro número “normal”, que saiu em 25 de fevereiro, com “apenas” 2,5 milhões de exemplares, os jornalistas de Charlie Hebdo agradeceram as doações de instituições, do governo, de ONGs e de particulares. Até mesmo uma classe de escola maternal mandou sua doação ao jornal. Um menino tirou 5 euros de sua mesada. No final dos agradecimentos, o pessoal de Charlie aproveita para dar uma gozada no papa: “Obrigado ao papa que nos aconselhou a ler a Bíblia, mas que deveria reler os Evangelhos porque um bom cristão não dá um soco quando alguém insulta sua mãe: oferece a outra face”.
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Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris