Não é de hoje que nuvens carregadas pairam sobre a redação do Jornal do Brasil, no bairro do Rio Comprido. Com as vendas em queda e os anunciantes em retirada, o diário enfrenta uma agonia em praça pública há pelo menos um ano. No último dia 29, a situação que já era ruim, ganhou contornos ainda mais dramáticos. O empresário Nelson Tanure, o principal investidor do negócio, jogou a toalha e anunciou a seus diretores que não vai mais continuar com a publicação. Caso não encontre nos próximos meses um interessado na licença de exploração, ele devolverá o jornal à família Nascimento Brito, dona do título. Tal decisão é fruto da precária situação financeira do órgão. Sufocado por um passivo que beira 1 bilhão de reais, o periódico tem hoje parte substancial de suas receitas bloqueada para o pagamento de dívidas trabalhistas e fiscais – situação que afugenta potenciais investidores.
Fundado há 119 anos, o JB tinha tudo para despertar interesse em vários grupos e empresas. Em seus áureos tempos, foi o jornal mais influente e prestigiado do Rio (e provavelmente do país). Destacava-se na cobertura de modismos locais, de novas tendências culturais e, especialmente, no registro acurado da política nacional, ilustrado à perfeição por colunistas como Carlos Castello Branco e Villas-Boas Corrêa. Hoje, tornou-se uma sombra pálida do seu passado de glórias.
A decisão de deixar de vez o JB põe um ponto final na jornada de Nelson Tanure pelo universo das empresas de comunicação. Durante uma década, o empresário baiano de 58 anos colecionou jornais, revistas – e fracassos. Em abril de 2001, arrendou o Jornal do Brasil, com a promessa de investir até 100 milhões de reais no negócio. No ano seguinte, adquiriu os direitos de publicação da revista americana especializada em economia e negócios Forbes no Brasil. Durou apenas um ano e meio, até que o contrato foi rompido pela Forbes Inc.
Em 2003, voltou seus olhos para o diário econômico paulista Gazeta Mercantil, mais um título que enfrentava grave crise financeira. Apesar dos enormes passivos dos dois jornais, Tanure continuou a investir – e a naufragar. Em 2007, inaugurou a TV JB. Fechou-a seis meses depois. Logo em seguida, perdeu 13 milhões de reais, aplicados em uma due diligence – análise detalhada de informações e dados de uma empresa –, em uma tentativa frustrada de adquirir a Editora Três, que inclui revistas como a IstoÉ. A Editora Peixes, que detinha títulos como Gula, Viver Bem e Set, ficou apenas dois anos em poder do empresário, que devolveu o direito de exploração aos antigos donos no ano passado.
‘Nelson Tanure não vai mais investir em mídia’, confirma Eduardo Jácome, diretor de operações da Docas Investimentos, a holding do empresário. ‘Ele vai direcionar suas operações para outros setores.’
Opção pela web
Verdade seja dita, o Jornal do Brasil já estava mal das pernas antes da chegada de Tanure. Desde meados dos anos 90, a má administração arrastou o jornal para um buraco de onde não conseguiria mais sair, com uma dívida estimada em 750 milhões de reais. No entanto, foi sob a gestão do empresário baiano que a débâcle se instalou de vez. Nos últimos dois anos, dois episódios acabaram por selar a sorte do jornal. O primeiro foi sua desfiliação, em junho de 2008, do Instituto Verificador de Circulação (IVC), órgão responsável por auditar o número de exemplares vendidos das publicações brasileiras. Tal decisão desgastou a imagem do diário com o mercado publicitário, que usa as informações auditadas para o planejamento das campanhas publicitárias.
Quatro meses depois eclodiu a crise econômica mundial, que atingiu em cheio os planos de recuperação do jornal. Na ocasião, o JB ensaiava uma reforma em seus modelos de impressão, venda e distribuição. Para piorar, uma dívida tributária de 35 milhões de reais, cobrada da Gazeta Mercantil, aumentou o desgaste de Tanure, que resolveu entregar logo o jornal econômico de volta à família Levy, proprietária da marca.
Em 2009, o empresário fez uma série de tentativas de negociar o JB – todas em vão. Uma delas foi com a Igreja Universal do Reino de Deus, que impôs uma condição para pagar os 100 milhões de reais pedidos por Tanure pelo título: o empresário precisaria comprovar que tinha mais de 100 000 leitores. Não conseguiu – a estimativa é que venda apenas 15 000 exemplares diários, contra uma média de 80 000 há três anos. Em uma derradeira tentativa, Tanure passou a buscar entre empresários e políticos fluminenses um novo dono para o jornal – mais uma vez em vão.
O mercado de jornais impressos passa por um momento delicado em todo o mundo. Há duas semanas, parte do francês Le Monde foi vendida a um grupo de empresários por 110 milhões de euros (o equivalente a 140 milhões de reais) como forma de resolver os problemas financeiros do diário. Nos Estados Unidos, o The New York Times e o San Francisco Chronicle enfrentam severas dificuldades. Publicações menores estão cancelando suas versões impressas e concentrando-se apenas nos sites de internet. Algumas simplesmente fecham as portas, como o Rocky Mountain News, da cidade de Denver, no Colorado, um dos diários mais importantes do oeste americano, que encerrou assim 150 anos de história.
Fim do ano
No caso do JB, o colapso acontece justamente em um bom momento do mercado editorial brasileiro, em que os jornais impressos registraram um crescimento de 4%. ‘O JB sofreu uma descaracterização forte na última década e hoje está alguns passos atrás em relação ao prestígio do passado’, afirma Ricardo Pedreira, diretor executivo da Associação Nacional dos Jornais (ANJ). De fato, em sua melancólica agonia, o JB está longe de refletir os bons momentos de sua história.
Foi no velho diário instalado inicialmente na Avenida Rio Branco e depois na Avenida Brasil que nasceram algumas iniciativas revolucionárias na imprensa brasileira. É o caso da reforma gráfica liderada por Amílcar de Castro nos anos 50, que levou à criação do ‘Caderno B’. Nos anos 60, o jornal ajudou a transformar Ipanema em ícone da boemia contestadora, com o traço de cartunistas como Henfil e Ziraldo, e teve papel de destaque na cobertura crítica do AI-5, decreto que suspendia várias garantias institucionais e que instaurou a linha dura do regime militar em 1968. Em meio à pesada censura da época, o protesto contra o decreto veio na forma de um boletim meteorológico. ‘Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos’, dizia a previsão.
Pelas suas páginas passaram nomes como os poetas Carlos Drummond de Andrade e Ferreira Gullar e colunistas como João Saldanha e Barbosa Lima Sobrinho. Nas últimas duas décadas, no entanto, o jornal enfrentou períodos difíceis. Desde que Nelson Tanure assumiu o controle, já com dívidas estimadas em 750 milhões de reais, a redação viveu sob forte turbulência, com onze diretores no período de dez anos. Dos 240 profissionais da virada da década, estão lá hoje apenas setenta pessoas. ‘É verdade que hoje não temos mais a importância que tínhamos no nosso áureo tempo, mas lutamos para manter isso aqui de pé’, afirma Pedro Grossi, presidente do JB. Há apenas quatro meses no cargo, ele reconhece que a situação é difícil, mas ainda acredita em uma possível recuperação. ‘Eu não sou coveiro, não vim para cá para enterrar a empresa. Estamos buscando alternativas. Se vamos conseguir, só o tempo dirá.’
Entre as possíveis opções está a extinção da versão impressa e a manutenção de uma edição on-line na internet. De todo modo, terá de ser uma solução rápida. A amigos próximos, Tanure diz que fecha o diário até o fim do ano.