Deve ser por isso que estão tentando levar o curso de jornalismo para a Faculdade de Letras. Pelo menos quando se trata do noticiário internacional, a mídia colombina não faz nada além de traduzir o material que chega das agências noticiosas ligadas aos países imperialistas, como se elas fossem porta-vozes da verdade suprema.
Numa reportagem jornalística, ainda que sejam apresentados os dois lados, o fator humano não escapa nunca. A empresa, ou o jornalista, invariavelmente se identifica mais – ou menos – com uma ou outra opinião, o que fica evidente quando lemos, por exemplo, que ‘tal país é uma ameaça’ ou então que ‘segundo fulano, tal país seria uma ameaça’. A diferença é sutil, porém perceptível.
Nas últimas semanas, por exemplo, o destaque tem sido para o Irã. As informações sobre este país oriental são cada vez mais constantes e a conotação ameaçadora que trazem só o fez crescer. Um detalhe: todas versavam sobre ‘a questão nuclear’ – ao que parece, a única coisa que acontece nesse país. Na quarta-feira da semana retrasada o jornal O Globo trouxe o assunto para sua manchete: ‘Potências se unem contra a ameaça nuclear do Irã’.
Ligeiramente excluído
Diariamente, os jornais elegem o tema mais importante e este vai para sua manchete. Numa sociedade como a brasileira, é importante ressaltar que a grande maioria dos leitores passa os olhos nos títulos e daí tira suas conclusões. Por isso, aqui, a força da manchete é imensa. Nesse caso específico, ela afirma que o Irã é uma ameaça nuclear. No subtítulo, temos ‘China e Rússia aceitam levar Teerã ao Conselho de Segurança’. No pequeno texto que sangra o coração da primeira página d’O Globo deste primeiro de fevereiro, temos:
Estados Unidos, China, Rússia, França e Reino Unido se uniram para pedir à Agência Internacional de Energia Atômica que envie amanhã ao Conselho de Segurança da ONU, do qual são membros permanentes, um relatório sobre o Irã. Segundo a Agência, o país já conseguiu planos para montar uma ogiva nuclear. O Irã reagiu duramente ao consenso das cinco potências – incluindo China e Rússia, seus tradicionais aliados – e ameaçou reiniciar o programa atômico, impedir inspeções e cancelar qualquer negociação diplomática.
Realmente, é de dar medo do Irã. Só mesmo um país muito diabólico para agir assim. Quanta rebeldia… Dentro do jornal, a matéria, de página inteira, não é assinada. A única inscrição que chega ao leitor, antes do texto, é ‘Viena, Teerã e Londres’. Ou seja, trata-se de uma reportagem editorializada e, muito provavelmente, condensada a partir do material oriundo das agências noticiosas ligadas aos países imperialistas, tais como Reuters, CNN, AP etc.. Talvez estejamos diante de uma famosa ‘reco’, que no jargão jornalístico quer dizer ‘matéria recomendada pelo dono’.
Em sua versão eletrônica do mesmo dia, O Globo também republicou duas matérias sobre o tema: uma assinada por ‘agências internacionais’ e outra pela Reuters. A primeira traz o sugestivo título ‘A ‘última chance’ do Ocidente para o Irã’ e o subtítulo ‘Líderes ocidentais oferecem derradeira chance para governo iraniano resolver impasse nuclear’. Continuando, seu primeiro parágrafo diz: ‘A comunidade internacional deu ao Irã a ‘última chance’ (…)’. Não sei quanto ao leitor, mas eu me senti ligeiramente excluído da comunidade internacional. O jogo de palavras que se depreende do conjunto da mensagem induz o público a uma falsa associação entre ‘comunidade internacional’ e ‘consenso’, que leva à conclusão de que todos os países do planeta estão contra o Irã.
O maior arsenal
Enfim, todos os textos publicados em O Globo no dia 1º de fevereiro, tanto em sua versão impressa quanto na eletrônica, seguem fielmente a propaganda de guerra dos EUA, exatamente como aconteceu nos meses que antecederam a invasão ao Iraque. Nas atuais circunstâncias, o bombardeio midiático tem a função de fazer com que as pessoas aceitem a idéia de um ataque a Teerã, pois, a julgar por essas informações que estão sendo ventiladas, o Irã representa uma séria ameaça ao mundo ‘civilizado’. E digo que as informações estão sendo ventiladas porque é isso mesmo: estão sendo ventiladas. Não têm qualquer substância. Por exemplo, em seu impresso de 9/2, O Globo diz no segundo parágrafo da matéria que ocupa a página 26 que ‘vazou para a imprensa um documento da Aiea [Agência Internacional de Energia Atômica] que afirma que o Irã conseguiu planos que descrevem como montar uma ogiva nuclear’. Vazou, assim, do nada. É como se fosse a coisa mais normal do mundo; como se esses documentos vazassem por aí, sem nenhum interesse que não informar o estimado leitor.
Em outras palavras, O Globo publicou uma matéria sem nenhum questionamento, cuja mensagem se assemelha muito àquela pretendida pelo Departamento de Estado dos EUA, com um agravante: a falsa aura de imparcialidade que contorna o texto engana os leitores desavisados. Se O Globo não confia nas fontes iranianas, ou se considera uns fanáticos aqueles que discordam do senso comum, poderia ter perguntado a um jornalista da casa, o prestigiado Luis Fernando Verissimo. Ou então consultar seu próprio arquivo, onde encontraria um belo artigo do colunista, publicado no fim de 2002 ou início de 2003, em que se lê textualmente que o objetivo dos EUA é dominar o mundo, começando pelo Afeganistão e depois o Iraque. No mesmo texto Verissimo previa que o próximo alvo seria o Irã.
No meio disso tudo, não deixa de ser curiosa a condescendência com que a mídia colombina trata os EUA, sem nunca lembrar que este mesmo país que cobra o desarmamento das outras nações é o que reúne o maior arsenal nuclear do planeta e o único que atacou a população civil com armas nucleares (Hiroxima e Nagasaki). Do mesmo modo, é instigante saber que certos jornalistas que condenam os EUA por essa ação imperialista não enxergam qualquer problema nos veículos de comunicação de massa que atuam conforme os desígnios do império.
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Correspondente de Caros Amigos no Rio de Janeiro e coordenador do site FazendoMedia