A imprensa tradicional do Brasil ainda não considera esgotado o filão do jornalismo de sacristia: desde duas semanas antes do primeiro turno das eleições até a quarta-feira (13/10), jornais, revistas e programas noticiosos de rádio e televisão repetiram incessantemente frases dos dois principais candidatos à Presidência da República sobre a questão do aborto. Mas não se viu nesse amplo material uma reportagem ou artigo relacionando o tema a questões sociais ou de saúde pública.
A intenção não é esclarecer, ou fazer avançar o debate. O interesse é interferir na disputa, preferencialmente reproduzindo incessantemente frases fora de seu contexto, com o propósito de manter o assunto em evidência, numa atmosfera de obscuridade, até o dia 31 de outubro.
A revista Época desta semana bem que tentou fazer algum esclarecimento, diferenciando, por exemplo, o eleitorado católico, menos submetido à influência dos sacerdotes, dos evangélicos, que passam mais tempo dentro das igrejas, vivem em círculos sociais mais fechados, como irmandades, e são mais submissos à pregação dos pastores. Errou apenas em um aspecto: não se trata de uma questão de fé, mas de ignorância e preconceito.
Debate superficial
No cenário geral, a imprensa de alcance nacional continuou apostando na desinformação. Paralelamente, alguns institutos de pesquisa passaram as últimas semanas fornecendo material para os coordenadores de campanhas sobre os efeitos do debate interminável e propositalmente inconcluso promovido pela imprensa.
Curiosamente, alguns articulistas volta e meia criticam o baixo nível do debate, sem levar em conta, ou fingindo não perceber, que é a própria imprensa que alimenta esse círculo vicioso de desinformação.
A quem interessa manter a campanha no nível das crendices e do preconceito?
A julgar pela insistência da mídia em manter o debate na superfície, o objetivo é mudar a tendência que aparece nas pesquisas de intenção de voto. Não importa que para isso tenha que valorizar o que há de pior na sociedade: a intolerância.