Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A arte de garimpar matérias

Um mês depois de sua posse, a presidente Dilma Rousseff enviou ao Congresso Nacional sua primeira mensagem. Em colunas e editoriais o assunto ficou bem mais interessante do que nas páginas de cobertura. A Mensagem ao Congresso Nacional é uma obrigação cumprida anualmente pelo Executivo. Nos Estados Unidos, é um acontecimento importante, porque o presidente da República aproveita a ocasião para discutir os grandes temas do ano e propor medidas de política econômica.


O discurso da presidente Dilma Rousseff passou longe das grandes questões de curto prazo, como os problemas orçamentários e as opções do Brasil diante do cenário internacional ainda adverso. O governo já havia anunciado a intenção de podar de forma definitiva parte do Orçamento aprovado pelos parlamentares. O discurso seria um bom momento para tratar do assunto, mas a presidente (ou talvez sua assessoria) preferiu uma exposição mais light.


Repórteres quebraram a cabeça procurando um lead, mas poderiam ter feito algo mais saboroso se agissem menos burocraticamente. A própria mensagem, um texto de mais de 400 páginas, foi quase ignorada. Só a Folha de S.Paulo dedicou uma retranca – pequena – a uma enumeração dos pontos tratados no calhamaço.


Dinheiro pelo ralo


Outro grande tema da primeira semana de fevereiro foi a venda do Banco Panamericano, de Sílvio Santos, ao BTG Pactual. Um detalhe essencial para a compreensão da história saiu no Estado de S.Paulo de quarta-feira (2/2): o empresário-apresentador só aceitou vender o banco depois de receber um telefonema do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. Detalhes da conversa não foram revelados, mas a menção ao fato já parece bastante esclarecedora.


Vários jornais deram destaque ao assunto, durante a maior parte da semana, mas os leitores devem ter tido dificuldade para entender alguns detalhes. Por exemplo: o Fundo Garantidor de Crédito, usado para impedir a quebra do Panamericano, representa um custo para os titulares de contas bancárias? A função do Fundo é socorrer bancos ou limitar os prejuízos dos clientes? Ou ainda: quem ficará com as perdas, estimadas em R$ 4,3 bilhões? Na sexta-feira (4/2) ainda faltava, na cobertura, resposta clara a essas questões.


Algumas das melhores histórias, como sempre, foram descobertas bem longe das pautas costumeiras. Foi o caso da manchete do Valor na edição de terça-feira, primeiro dia do mês: ‘Herança da velha RFFSA ainda provoca prejuízos’. A Rede Ferroviária Federal foi privatizada há 15 anos, mas seu passivo trabalhista ainda não foi liquidado e pode custar R$ 8 bilhões à União. Além disso, uma fortuna em material foi praticamente abandonada. Esse material inclui, entre outros itens, 48 locomotivas importadas da França em 1974 e nunca usadas.


Tratamento ampliado


Esse é um bom exemplo de como se podem produzir histórias interessantes e importantes fora da rotina das pautas. Nem sempre isso dá certo. O resultado, às vezes, é uma reportagem simplesmente chata e sem justificativa. Mas o Valor conseguiu emplacar duas boas matérias desse tipo, indo atrás de assuntos menos visíveis.


A segunda matéria saiu na sexta-feira (4), na capa do caderno ‘Empresas’. Segundo a reportagem, a Companhia Energética de Pernambuco (Celpe) será incapaz de fornecer com segurança os 230 megawatts necessários ao funcionamento da Refinaria do Nordeste, também conhecida como Refinaria Abreu e Lima, em construção pela Petrobras. A informação partiu do diretor da área de abastecimento e refino da estatal, Paulo Roberto Costa. Para evitar o risco de uma refinaria vagalume, em regime de acende-apaga, a Petrobras, segundo ele, terá de investir numa unidade de cogeração baseada em coque de petróleo. A Celpe, também citada na reportagem, desmentiu a informação e declarou-se disposta a investir para assegurar o abastecimento.


Concebida para ser construída em parceria com a PDVSA, companhia petrolífera estatal venezuelana, a Refinaria Abreu e Lima vem sendo construída apenas com recursos da Petrobras. Com essa reportagem, o Valor apontou mais um sério problema na execução do projeto.


A sondagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI) sobre como a concorrência chinesa afeta as empresas brasileiras foi mais um grande tema da semana. O tratamento mais amplo, com o material complementado por uma entrevista do embaixador brasileiro na China, Clodoaldo Hugueney, foi o do Estadão – um bom exemplo de como combinar o trabalho de repórteres locais e correspondentes – no caso, a correspondente Claudia Trevisan, baseada em Pequim.