Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A boa notícia ruim

Os jornais de quarta-feira (26/1) tratam de maneiras diferentes o anúncio sobre o volume recorde de investimento estrangeiro direto no Brasil. Os US$ 15,36 bilhões que entraram em dezembro, o maior valor para um único mês em todos os tempos, fecham a conta de 2010 com o ingresso de US$ 48,46 bilhões, número também inédito. Esse dinheiro é destinado a investimentos no setor produtivo, o que indica que o Brasil segue sendo um dos destinos preferenciais para opções de longo prazo.


O Estado de S.Paulo foi o jornal de assuntos gerais que deu o melhor tratamento ao assunto, com manchete esclarecedora na primeira página: ‘Investimento externo bate recorde e cobre déficit’. No caderno de ‘Economia & Negócios’, os textos dão ao leitor uma idéia bastante clara de como as contas do Brasil são afetadas pelo valor do dólar, dos gastos de brasileiros em viagens ao exterior e pelas remessas de lucros.


No Globo, o título da primeira página destaca um aspecto negativo dos números e foge da interpretação mais ampla: ‘Déficit externo do país dobra em um ano’, diz a chamada. Nas páginas internas, o texto ameniza o impacto negativo, mas o leitor é conduzido a um raciocínio mais pessimista.


A Folha de S.Paulo não produziu reportagem sobre o assunto e deixou o tema para um de seus colunistas, que destaca uma ‘surpresa positiva nas contas externas do Brasil: a deterioração no saldo das transações correntes foi menor que a estimada’.


Viés político


Para quem acompanha diariamente o noticiário econômico da imprensa tradicional do Brasil, comparando a mídia especializada nacional e estrangeira, fica claro que ainda existe alguma dificuldade de certos analistas para situar os números no novo contexto vivido pelo país. Com enormes reservas de moeda estrangeira, uma dívida externa irrelevante e uma carteira de exportações que cresceu 14,2% em volume e 31% em valor no ano passado, a economia nacional se apresenta bastante segura.


Como não há antecedentes históricos para o cenário presente, poucos especialistas têm condições de afirmar o grau de risco produzido pelo crescimento. Como também não acontece uma abordagem segundo os parâmetros da sustentabilidade, parece que estamos assistindo um filme em 3-D sem os óculos especiais.


Quando o analista mostra o quadro completo, o leitor tem a oportunidade de entender, mesmo não sendo especialista, algumas variáveis do processo de desenvolvimento do país.


Quando o olhar do analista contempla a complexidade quanto à sustentabilidade do modelo econômico, temos jornalismo de alta qualidade. Mas quando o viés político predomina, até mesmo uma boa notícia pode gerar preocupações.