Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A campanha está nas ruas

Os jornais de sexta-feira (2/4) registram a desistência do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, de disputar as eleições deste ano. Ele se compromete a permanecer à frente do BC até o final do atual governo.


Meirelles, que representa um raro ponto de convergência entre o governo e a oposição, era o candidato dos sonhos do presidente Lula da Silva à vice-presidência. Mas ele não tem o perfil dos sonhos do PMDB – não tem tradição partidária nem demonstra aquela habilidade de negociação por mais benesses do poder, principal característica do maior partido do país.


A coalizão governamental vai mesmo de Michel Temer, o presidente da Câmara que representa como ninguém o caráter ideologicamente anódino do PMDB. Sua trajetória política é a do colecionador de oportunidades. Entre seus compromissos mais duradouros, sua biografia registra a fidelidade aos empresários do bingo, dos quais foi dedicado defensor como advogado desde 1987.


Confirmada a candidatura, os persistentes homens de negócio da jogatina já mandam lustrar suas máquinas viciadas. Um projeto nesse sentido desliza sorrateiramente no Congresso, longe do noticiário.


Sutilezas esmaecidas


Mas essas são histórias antigas, que a falta de memória da imprensa deixa repousar no limbo. Os jornais estão preocupados com outra questão: o pano de fundo das principais candidaturas ao governo federal é o tamanho do Estado. No entanto, uma montanha de problemas institucionais aguarda a definição dos candidatos, e ajudaria muito os eleitores conhecer os pensamentos da cada coalizão sobre esses temas.


Parte desses desafios foi apresentada ao debate público no pacote do Programa Nacional de Direitos Humanos, mas a imprensa enxergou apenas aquilo que lhe interessava diretamente – a questão do controle social da mídia – e deixou no esquecimento tudo o mais.


No fragor da campanha, as sutilezas tendem a desaparecer e o próprio jornalismo costuma se transformar em caixa de ressonância de acusações e baixezas. A partir da próxima semana, com ou sem apoio na legislação eleitoral, as candidaturas estarão lançadas. Esse é o período em que o melhor jornalismo costuma entrar em recesso.


Palhaços em campanha


O Tribunal Superior Eleitoral promete rigor no controle da campanha deste ano. As normas de conduta para o funcionalismo durante o período pré-eleitoral, divulgadas há duas semanas, são bastante severas.


Oficialmente, a campanha só pode começar no dia 6 de julho. Mas pelo menos um setor da mídia já está em plena atividade eleitoral, sem que as autoridades e os jornalistas se tenham dado conta. Trata-se de alguns programas de televisão e rádio que misturam política e entretenimento e que, atuando como crítica social e política, influenciam as opiniões tanto quanto o jornalismo de verdade.


O fato chama atenção para uma controvérsia que anda esquecida: programas humorísticos feitos ou comandados por jornalistas são atividades jornalísticas?


Apresentadores de programas como o CQC, Pânico na TV e outros, que costumam invadir eventos e instituições políticas, devem ter o mesmo tratamento que se dá à imprensa, como credenciais para entrevistas coletivas?


No ano passado, o senador Eduardo Suplicy andou perto de ser punido pelo Conselho de Ética por ter aceitado vestir uma sunga vermelha no Senado, a pedido de uma dessas humoristas. Tais profissionais, muitos deles portadores de diploma de jornalismo, afirmam que são parte da imprensa, e, nessa condição, costumam alegar o direito de informar quando são barrados em algum desses eventos.


Mas a que código de conduta eles estão submetidos?


Certamente, aplicar um nariz de palhaço no rosto de um parlamentar não é propriamente o trabalho de edição de um jornalista na televisão. Da mesma forma, promover discussões surrealistas e constranger autoridades em público não deve fazer parte dos objetivos de um repórter. No entanto, muitos humoristas se valem de credenciais de imprensa para interromper entrevistas, usando ardis e chicanas para se aproximar de personalidades, com a intenção de produzir situações risíveis.


A imprensa poderia esclarecer se tais programas também estão submetidos às restrições impostas pelas regras das campanhas eleitorais. Marqueteiros de candidatos já podem ter alguns desses humoristas sob contrato.