Benedito Siqueira, lavrador, mora a 800 metros da subestação de Itaberá (SP) e disse não ter visto nenhum raio por lá na terça-feira (10/11), quando um apagão afetou 18 estados brasileiros. Uma foto de Siqueira no meio da lavoura, com o linhão ao fundo, apareceu na edição nº 2139 de Veja (com data de capa de 18/11/2009). O prefeito da cidade havia dito a mesma coisa, numa entrevista pelo rádio. Técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) já haviam posto em dúvida a versão oficial de um acidente causado por fenômenos atmosféricos. Os meios de comunicação fizeram seu trabalho e essas e muitas outras informações foram oferecidas ao público, ao lado das versões e declarações de autoridades e engenheiros de alto escalão do governo.
Na quinta-feira (12), apenas dois dias depois do blecaute, a ministra-candidata Dilma Rousseff e o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, decretaram o encerramento do assunto. Era página virada, segundo Lobão. A imprensa divulgou as declarações e continuou a cuidar da história. Não se sabe se os dois ministros esperavam obediência dos jornalistas. Se esperavam, devem ter-se decepcionado. Mas isso não foi tudo. Ainda acabaram desautorizados por seu chefe, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Seria preciso continuar investigando, disse Lula, e também isso foi noticiado.
Números luminosos
O apagão em 18 estados – um ‘microincidente’, segundo o ministro da Justiça, Tarso Genro – continuava inexplicado no fim de semana, mas os leitores haviam recebido, em poucos dias, uma enxurrada de informações sobre o sistema elétrico brasileiro, sobre suas fragilidades e sobre os investimentos da Eletróbrás nos últimos dez anos. Esses investimentos, segundo o Globo de sexta-feira (13/11), têm sido insuficientes para as necessidades do país.
Se tivessem aproveitado o levantamento da organização Contas Abertas, especializada em finanças do governo, os jornais poderiam ter mostrado algo mais:
1.
a partir de 2003, o investimento da Eletrobrás foi sempre menor, como porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB), do que no período entre 1999 e 2002;2.
também a partir de 2003, o valor investido, ajustado pela inflação, foi sempre inferior ao aplicado nos quatro anos anteriores.Na quinta-feira os grandes jornais já tentaram um primeiro balanço dos estragos causados pelo blecaute. A Volkswagen deixou de produzir 1.500 automóveis e 800 motores, a Basf paralisou o Complexo Químico de Guaratinguetá e muitas outras indústrias contabilizaram perdas. A Sabesp cortou o abastecimento de água de 20 milhões de pessoas, a Cedae deixou 10 milhões a seco durante oito horas, hospitais suspenderam cirurgias e assim por diante.
Não se poderia fazer um levantamento completo dos prejuízos de todos os tipos, mas o material publicado foi suficiente para dar uma idéia das consequências do ‘microincidente’. Mas na Rua Boa Vista, no centro de São Paulo, o impostômetro da Associação Comercial continuou mostrando, em números luminosos, o avanço da tributação.
Fatos interessantes
Mais uma vez, no entanto, faltou organizar um pouco mais o material publicado. Esse é um problema frequente nas grandes coberturas. Os jornais deram várias páginas ao assunto, nos primeiros dias, e nenhum leitor pode se queixar do volume de informações. Mas a leitura poderia ter sido mais fácil – e mais produtiva – se os editores tivessem aberto o material, em cada edição, com um quadro-resumo das principais novidades. Isso já foi feito muitas vezes. O leitor sempre agradece por esse favor, como agradece, também, quando as opiniões e explicações apresentadas por vários entrevistados são agrupadas e resumidas num texto enxuto.
Mas o essencial foi feito e os cidadãos foram informados de uma porção de fatos interessantíssimos, como o aumento de 29% no número de apagões de grandes proporções entre 2008 e 2009 – de 48 para 62. A maior parte das ocorrências, segundo matéria da Folha de S. Paulo, não foi esclarecida.
Despedida de Torós
O apagão dominou o noticiário econômico (e não só econômico) da segunda semana de novembro, mas isso não abafou a repercussão da entrevista de Mário Torós, diretor de Política Monetária do Banco Central (BC), ao Valor. A matéria, manchete da edição de sexta-feira (13/11), trouxe novidades importantes sobre os primeiros efeitos da crise financeira, no ano passado. Houve corrida a bancos pequenos e médios, com saques de R$ 40 bilhões em apenas uma semana de outubro de 2008, e um ataque especulativo ao real, em dezembro, por um grande fundo de hedge americano. O BC teve muito mais trabalho do que em geral se imaginava, até agora, para controlar a situação.
Os jornais saíram com a repercussão no sábado. A entrevista pegou mal entre colegas de Torós, mas a assessoria de Imprensa do BC preferiu classificar as ‘declarações atribuídas ao diretor de Política Monetária’ como ‘avaliação de caráter pessoal’. Não houve manifestação oficial da instituição a respeito do assunto. Como não houve desmentido, as informações devem ser verdadeiras.
Segundo a entrevista, houve ataques, naquela fase, aos bancos Votorantim e Safra. Depois, o Banco do Brasil comprou 50% do Votorantim. Mais uma sugestão de pauta?
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Jornalista