Não apenas o governo e a oposição, mas também a imprensa começa neste momento a enfrentar um conjunto de desafios de proporções assustadoras. A CPI é um deles; o carrossel paralelo de denúncias, outro. O terceiro, mais perigoso, consiste em impedir que o paradigma conspiratório inventado por Hugo Chávez na Venezuela – e já ensaiado em certos círculos nacionais – empurre nossa imprensa para o ringue da radicalização.
Sob o ponto de vista jornalístico, a CPI começou perigosamente exacerbada: o presidente, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) e o diretor de Gás e Energia da Petrobras, Ildo Sauer, teoricamente do mesmo partido, engalfinharam-se por causa de informações plantadas num jornalão paulista.
Já o relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), esquecido do compromisso liminar de moderação, saiu-se com uma disparatada comparação segundo a qual Lula pode acabar como Fernando Collor de Mello.
Como se não bastasse, temos a metralhadora canora de Roberto Jefferson dizimando um número crescente de desafetos; e a síndrome Nicéia Pitta convertendo desavenças conjugais em explosivos escândalos políticos.
O espectro do fisiologismo materializado com a eleição de Severino Cavalcanti de repente ganhou proporções gigantescas com a troca escancarada de cargos por votos, votos por verbas, nomeações políticas para cargos técnicos, propinas, mesadas, licitações fajutas e chantagens. O Legislativo está definitivamente comprometido, o Executivo foi maculado, os partidos desacreditados, as ideologias convertidas em peças de museu.
Redações fragilizadas
No meio dessa confusão, uma imprensa incapaz de processar e hierarquizar tanta informação. Não bastasse, ela própria começa a ser respingada como o comprovam as gravações da Polícia Federal sobre a ajuda da Schincariol a empresas jornalísticas em dificuldades [veja matérias reproduzidas na seção Entre Aspas clicando aqui e também aqui].
Se antes de instalada a CPI dos Correios era concreto o perigo da pizza insossa e massuda, agora o perigo reside num banquete com excesso de acepipes e o inevitável fastio.
Enquanto a CPI dos Precatórios foi convertida pelo relator, Roberto Requião, num circo para exercícios inquisitoriais, esta nova CPI corre o risco de ser consumida pela competição com a Comissão de Ética e a Corregedoria da Câmara dos Deputados.
Diante da real possibilidade de uma dezena de cassações é evidente que os parlamentares que nada têm com o mensalão farão o possível para atrair os holofotes. E os culpados, inspirados na Lei de Jefferson, farão o impossível para aumentar o número de incriminados e assim desaparecer na multidão.
Para enfrentar a incrível enxurrada de lama temos uma imprensa ainda descapitalizada, desorientada no tocante ao seu papel diante do real interesse da sociedade, fragilizada pela pobreza de recursos humanos, perdida nos excessos de opinionismo e escassez de papel. Os poucos profissionais treinados na cobertura de CPIs agora estão envolvidos pela burocracia em cargos de chefia, a maioria foi para assessorias de imprensa ou consultorias de risco.
As perspectivas não são boas para o país, mas são um pouco piores para a imprensa.