Ao mesmo tempo em que tentam aparentar o que não são, buscando se assemelhar à mídia digital, jornais brasileiros interpretam um papel que deram a si próprios: o de salvadores da pátria. O mínimo sobressalto, nem sempre configurado como “escândalo” ou “crise”, dá margem para que uma publicação brade aos leitores que “o fato tal aconteceu após investigações do nosso jornal”.
Como a onda é encomendar pesquisas de opinião para qualquer coisa, algum veículo de circulação nacional poderia tentar saber das pessoas se a auto-louvação torna os jornais mais atraentes ou provoca antipatia no leitor. Numa tosca analogia, é comum que o cliente desconfie de um vendedor que tece loas demais ao produto que oferece; quando a esmola é muita…
Na última quarta-feira (8/6), a Folha de S.Paulo agiu como o vendedor extremamente simpático que comercializa a oitava maravilha do mundo. Ao dar em manchete a renúncia de Antonio Palocci ao cargo de ministro-chefe da Casa Civil, três semanas após publicar matéria sobre a multiplicação das posses do político, veiculou este parágrafo, na primeira página:
“Indicado pelo ex-presidente Lula para ser o principal operador político da gestão Dilma, Palocci teve a credibilidade corroída pelas reportagens da Folha que mostraram a multiplicação de seu patrimônio em quatro anos e o faturamento de R$ 20 milhões de sua consultoria somente em 2010, quando era deputado e comandou a campanha petista à Presidência” (grifo meu).
Post destaca fato, sem autorreferência
Pode ser. Entretanto, é como se o redator quisesse esfregar no rosto de quem lê: “Viu como a gente é demais?” ou “Olhe aí: se não fôssemos nós, sempre vigilantes, imagine só até onde Palocci poderia ir com seus esquemas!”
Não estou fazendo juízo de valor sobre os negócios do ex-ministro nem sobre a eventual interferência deles em decisões governamentais. Tão incômoda quanto a desconfiança causada por suas atividades é a importância que a imprensa atribui ao próprio trabalho. É como se os meios valessem mais do que os fins; como se o órgão que dá a notícia se sobrepusesse aos fatos que relata.
Eu ainda não tinha nascido naquela época, mas me veio à mente o escândalo Watergate – iniciado por uma reportagem do jornal The Washington Post, desdobrado em dois anos de investigações desse periódico (diga-se dos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, alimentados por fonte privilegiada) que obrigaram Richard Nixon a renunciar à presidência dos Estados Unidos. Hoje, ao relatar sua trajetória na imprensa norte-americana, o Washington Post destaca o fato em sua página na internet. Mas, na reprodução das 2.604 palavras e dos 15.016 caracteres do texto que abriu a primeira página da edição de 9 de agosto de 1974, dia seguinte à renúncia, não há uma só referência aos esforços do jornal. Ou seja, nada do tipo “Nixon teve a credibilidade corroída pelas reportagens do Post”. O máximo que se lê, no terceiro parágrafo, é, em tradução livre: “Após dois anos de um amargo debate sobre os escândalos de Watergate, o presidente Nixon cedeu às pressões do público e de líderes de seu partido para se tornar o primeiro presidente na história americana a renunciar” (grifos meus).
Aprovação de Dilma sobe
Porém, de volta ao segundo parágrafo deste artigo, a Folha encomendou uma sondagem de opinião ao seu instituto, o Datafolha. Após a exoneração de Antonio Palocci, quis saber duas coisas de 2.188 pessoas país afora, entre os dias 9 e 10/6: como está a aprovação ao governo da presidente Dilma Rousseff e se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve participar de decisões governamentais – como ocorreu na dúvida quanto à manutenção ou não do ex-ministro no cargo. Os resultados foram publicados na edição de domingo (12/6), também em manchete: Dilma é considerada uma presidente ótima ou boa para 49% dos entrevistados, ante 47% no levantamento anterior, feito em março; e 64% “dos brasileiros” (num índice que atinge 69% entre “os menos escolarizados”, “na faixa do Ensino Fundamental”) se mostram favoráveis à interferência de Lula no governo atual.
Para quem não entende como pode ter melhorado a avaliação de um governo sob “crise política”, conforme noticiado pela grande imprensa, a resposta pode estar em uma pesquisa feita pelo Ibope no ano passado. Resumidamente, o índice de confiança na mídia caíra de 71% para 67% dos entrevistados entre 2009 e 2010. Em termos absolutos, foi a maior queda entre os 22 segmentos avaliados.
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