Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A crise no topo da pauta

Dezembro começou com piora da crise no mundo rico, novos sinais de retração no Brasil e incentivos oficiais para manter o país em crescimento. A primeira semana terminou com a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, repetindo a previsão de uma década perdida para a zona do euro, se faltarem medidas urgentes e amplas. Apesar do cenário externo, a economia brasileira poderá crescer até 5% em 2012, segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Ele mencionou esse número na quinta-feira (1/12), ao apresentar o novo pacote de estímulos fiscais ao consumo, ao ingresso de capitais estrangeiros e à exportação de manufaturados. Um dia antes, o Banco Central havia cortado mais 0,5 ponto porcentual dos juros básicos, agora reduzidos a 11% ao ano.

Os grandes jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro publicaram coberturas parecidas, tanto na descrição dos possíveis efeitos positivos quanto na enumeração das críticas formuladas por especialistas. Só o Estado de S.Paulo e o Globo, no entanto, confrontaram os estímulos à exportação com as normas da Organização Mundial do Comércio (OMC). Concorrentes do Brasil julgarão se vale a pena contestar legalmente a compensação, prometida aos exportadores, de 3% do valor das vendas externas de manufaturados. Como a medida só vale por um ano, o custo de um processo talvez seja considerado excessivo.

Novos prazos

Fora da grande pauta comum, uma das melhores matérias sobre a crise saiu no Estadão de sábado (3/12): “Empresas brasileiras colocam ativos à venda para reforçar o caixa”, informou o título. Depois de vultosas compras nos últimos anos, grandes companhias, como Usiminas, Fibria, Suzano, Lupatech, Hypermarcas e Marfrig decidiram livrar-se de marcas e operações para recompor as finanças, segundo a reportagem de página inteira. Pautas desse tipo são uma bela demonstração de força dos meios impressos.

Outra boa história do fim de semana foi proporcionada pela viagem da presidente Dilma Rousseff à Venezuela, para uma reunião da Unasul e para a fundação da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos. Em Caracas, a presidente confirmou a decisão política de construir a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, por meio de uma parceria entre a Petrobras e a venezuelana PDVSA.

Até agora a PDVSA não pingou um centavo no empreendimento, embora o projeto tenha sido formulado no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pouco antes da viagem presidencial a Caracas, a Petrobras informou, em nota, a solicitação de mais um prazo de 60 dias, pela estatal venezuelana, para apresentar as garantias necessárias e conseguir o financiamento do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Estadão e Globo deram a declaração da presidente. No domingo (5), nova notícia: segundo o ministro do Petróleo da Venezuela e presidente da estatal, a companhia já conseguiu um crédito chinês de US$ 1,5 bilhão (cerca de R$ 2,7 bilhões) para garantir a participação na sociedade. Mas não informou, segundo o Globo, se já dispõe do suficiente para completar os R$ 4 bilhões necessários para por em dia sua participação.

Numa semana cheia de grandes fatos de importância imediata, ficou meio perdida a notícia sobre a lei de criação do Supercade, sancionada com vetos pela presidente Dilma Rousseff. Pela nova lei, os atos de concentração econômica serão julgados imediatamente, logo depois de anunciados os planos pelas empresas envolvidas. Pelas normas tradicionais, a avaliação de um negócio como a compra da Garoto pela Nestlé poderia ser concluída muitos anos depois da transação. Nesse período, muita coisa teria ocorrido, como a implantação de novos estilos de negócios e de novos projetos, fechamento ou abertura de unidades, demissões e contratações, fortes impactos no mercado e assim por diante. Sob esse aspecto, o padrão de funcionamento do sistema brasileiro de defesa da concorrência era uma aberração.

Bem e mal

Com a mudança, vários órgãos federais se unem ao velho Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e as formas de atuação ficam mais parecidas com aquelas em vigor nas economias mais desenvolvidas. Folha de S.Paulo e Valor deram atenção ao tema, na edição de sexta-feira (2/12), apesar do necessário destaque ao pacote anticrise. A Folha fez uma apresentação geral das mudanças e mencionou rapidamente alguns dos vetos. A matéria do Valor deu mais destaque à apresentação e à discussão dos vetos e atendeu principalmente ao leitor mais informado sobre o assunto.

A tramitação do projeto de lei durou vários anos e a cobertura da imprensa foi sempre muito limitada. O assunto, no entanto, é de enorme importância. Basta pensar nas fusões de grandes grupos varejistas ou de grandes indústrias de alimentos para entender como essas operações podem afetar, para o bem ou para o mal, o funcionamento dos mercados e o bem-estar de milhões de consumidores. Ponto, portanto, para quem aproveitou a sanção da lei para cuidar do tema.

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[Rolf Kuntz é jornalista]