Telespectadores da edição de terça-feira (22/1) do Jornal da Globo e leitores do jornal O Globo (24 e 25/1) foram surpreendidos com a informação de que ‘brasileiros confiam mais na mídia’ e que ‘o governo ficou em último lugar’ (entre as instituições mais confiáveis), segundo pesquisa realizada por uma empresa de nome Edelman. Surpreendidos porque outros resultados divulgados recentemente indicam tendência exatamente oposta.
O que justificaria mudança tão repentina na opinião dos brasileiros?
Um estudo mundial sobre a credibilidade das instituições, contratado pela BBC, a Reuters e o The Media Center, realizado em março de 2006, revelou que, no Brasil, mais da metade dos entrevistados – ou 55% – declarou que não confiava nas informações obtidas através da mídia. Entre todos os países pesquisados, esse percentual era igual ao da Coréia do Sul e só não era maior do que o obtido na Alemanha (57%). Além disso, a pesquisa revelou que, comparativamente, o Brasil era o país onde os entrevistados estavam mais descontentes com a sua própria mídia: 80% disseram que a mídia exagera na cobertura das notícias ruins; 64% concordam que raramente encontram na grande mídia as informações que gostariam de obter; 45% não concordam que a cobertura da grande mídia seja acurada; e 44% declaram ter trocado de fonte de informação nos 12 meses anteriores por terem perdido a confiança [ver, neste Observatório, ‘Pesquisa revela a (des)confiança na mídia‘].
Parte da elite
Por outro lado, além das sucessivas pesquisas de opinião realizadas pelos principais institutos brasileiros (Ibope, DataFolha, Sensus, Vox Populi) indicarem índices positivos de avaliação do governo, o LatinoBarômetro 2007 divulgado em novembro de 2007 mostrava que o presidente do Brasil foi o mais bem avaliado da América Latina (ver aqui).
Ao contrário, a notícia publicada no jornal O Globo (25/1, A-8), com o título ‘Brasileiros confiam mais na mídia’ e subtítulo ‘Pesquisa mostra que imprensa tem credibilidade para 64%; governo, para 22%’ afirma que:
‘Pesquisa realizada pela multinacional de relações públicas Edelman mostrou que 64% dos brasileiros consideram a mídia a mais confiável das instituições. Conforme informou ontem a coluna Ancelmo Gois, no Globo, o governo é a instituição de menos credibilidade para os brasileiros – apenas 22% das pessoas ouvidas disseram ter confiança’ [ver abaixo texto integral da matéria].
Um leitor atento, no entanto, que não se inclua entre os brasileiros entrevistados e não confie tanto assim na mídia, poderá, ele próprio, visitar o site da Edelman – a maior empresa de relações públicas do planeta, com sede em New York/Chicago e escritórios em 46 cidades de 23 países dos 5 continentes, inclusive São Paulo – e obter informações fundamentais que não encontrará na matéria de O Globo sobre a tal pesquisa.
O ‘2008 Edelman Trust Barometer‘ foi realizado nos meses de outubro e novembro de 2007 e os 150 (isso mesmo, cento e cinqüenta) entrevistados, por telefone, no Brasil, são considerados (por quais critérios?) ‘líderes de opinião’ – 50 deles entre 25 e 34 anos e 100 entre 35 e 64 anos. Eles têm curso superior, pertencem aos 25% detentores do maior nível de renda por domicílio e têm grande interesse em assuntos relacionados à mídia, à economia e aos negócios públicos.
Trata-se, portanto, de uma amostra de parte da elite brasileira, sem qualquer representatividade do conjunto da população.
Amostras representativas
Lendo e relendo os textos das matérias de O Globo e do Jornal da Globo, fica-se com a impressão de que eles foram escritos deliberadamente para passar a idéia (falsa) de que a maioria dos brasileiros confia mais na mídia do que no governo. As matérias, ao não contextualizarem a informação e omitirem dados essenciais sobre a pesquisa da Edelman, acabam por contar uma meia verdade que esconde uma inverdade.
Não é sem razão que a credibilidade da mídia, revelada por pesquisas feitas com amostras estatisticamente representativas do conjunto da população, é – ao contrário do que diz O Globo – cada vez menor entre os brasileiros.
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Brasileiros confiam mais na mídia
Pesquisa mostra que imprensa tem credibilidade para 64%; governo, para 22%
Copyright O Globo, 25/1/2008
Pesquisa realizada pela multinacional de relações públicas Edelman mostrou que 64% dos brasileiros consideram a mídia a mais confiável das instituições. Conforme informou ontem a coluna Ancelmo Gois, no Globo, o governo é a instituição de menos credibilidade para os brasileiros – apenas 22% das pessoas ouvidas disseram ter confiança.
A pesquisa foi realizada em 18 países, entre outubro e novembro, em entrevistas por telefone. No Brasil, 150 pessoas foram ouvidas. Foi a nona pesquisa realizada pela empresa e, pela primeira vez, grupos foram separados por idade: de 25 a 34 anos e de 35 a 64. Um dos dados destacados é que só em três países – Holanda, Suécia e China – o governo foi considerado a instituição de maior credibilidade.
Brasileiros confiam em empresas multinacionais
No Brasil, a confiabilidade da mídia superou a de empresas (61%) e organizações não-governamentais (51%). Multinacionais atingiram altos percentuais de credibilidade no Brasil e no México – à exceção de chinesas e russas. Segundo a pesquisa, nos países do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) o uso da mídia social pelas empresas é geralmente alto e também entre jovens formadores de opinião.
O estudo indicou ainda que 44% do grupo formado por pessoas entre 35 e 64 anos tendem mais a ler jornal impresso do que eletrônico (21%). A diferença de percentual diminui no grupo de 25 a 34 anos: 35% lêem os impressos e 30%, os onlines.
Nos 18 países, CNN (25%), BBC (17%) e Google (9%) são as fontes com que as pessoas mais contam para obter informações sobre empresas. No Brasil, 71% consideram confiáveis os artigos de revistas especializadas em negócios.
O setor de tecnologia é o mais confiável em 17 dos 18 países, seguido por biotecnologia, ciências biológicas. A média de credibilidade nos 18 países para propaganda de produtos é baixa: apenas 20%.
A maioria acredita em especialistas e ‘pessoas como nós’ – aqueles que compartilham dos mesmos interesses e têm crença política similar – como fontes de informação. No Brasil, no entanto, a importância de compartilhar interesses caiu de 79% para 65% nesta pesquisa.
Nos Estados Unidos, uma má notícia para a senadora Hillary Clinton: foi perguntado em qual gênero a população confiaria mais para o cargo de presidente. A maioria dos ouvidos (69%) disse que ser homem ou mulher não faria diferença. No entanto, um índice estatisticamente alto prefere um líder do sexo masculino (16% contra 7%).
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)