Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A desgraça de um símbolo

A imprensa inglesa, assim como a italiana, entre outras, deu destaque aos boatos surgidos no início de março sobre a suposta crise do casal Sarkozy. Até o fim de semana da Páscoa, o assunto não fora sequer mencionado nos jornais franceses, a não ser no Libération de 13/14 de março (como o Monde, o Libération sai no fim de semana com data de sábado e domingo). E mesmo assim para explicar aos leitores o silêncio do jornal.

Naquele dia, o diretor de redação do Libé, Laurent Joffrin, se dirigiu aos leitores num pequeno texto intitulado ‘Por que Libération não reproduz os boatos sobre a vida privada de Sarkozy’. O texto, sóbrio e elegante, não deu detalhes sobre o boato que corria na imprensa estrangeira e que o tout Paris comentava. Joffrin apenas explicou que o jornal não publica boatos e que ‘a vida privada dos políticos não é objeto de investigação do jornal’. No final do texto, Libé reproduzia a resposta de Sarkozy a jornalistas em Londres quando participava de uma reunião com Gordon Brown. O presidente disse ‘não ter nem um segundo ou mesmo meio segundo a perder com esse tipo de elucubração’.

E os boatos? A maioria das pessoas conhece: Sarkozy e Carla Bruni estariam à beira da separação; ele teria um caso com uma ministra e ela com um conhecido cantor.

A viagem oficial do fim do mês de março aos Estados Unidos foi a ocasião ideal para o casal presidencial exibir uma perfeita harmonia. Mas por iniciativa do Journal du Dimanche um processo foi aberto na primeira semana de abril na Justiça para apurar a responsabilidade da origem do boato, publicado inicialmente num blog do jornal. Nesse ínterim, o Journal du Dimanche, do amigo de Sarkozy Arnaud Lagardère, demitiu dois funcionários, responsáveis pela primeira nota. Tudo começou, portanto, na internet, e só se propagou pela imprensa escrita no estrangeiro.

‘Boatos absurdos e inadmissíveis’

O advogado de Sarkozy, Thierry Herzog, e o conselheiro de comunicação do presidente, Pierre Charon, estão acompanhando diretamente o caso, qualificado de ‘uma ignomínia’.

Na primeira semana de abril, o jornal Le Canard Enchaîné deu uma notícia em primeira mão: a origem do boato teria sido a ex-ministra da Justiça, Rachida Dati.

Este affaire é digno da corte de Luiz XIV, o criador de Versailles, que para se prevenir de traições dos nobres, que se insurgiram contra Luiz XIII, domesticou-os e os manteve sob controle dentro de seu monumental palácio. O presidente Sarkozy, que criou uma roda de fiéis comparada com frequência à corte dos antigos reis franceses, teria sido traído por uma ex-habituée da corte: algumas matérias comentaram a notícia do Canard Enchaîné acrescentando que a ex-ministra da Justiça, filha de imigrantes marroquinos e amiga do presidente, teria caído em desgraça na corte. O mais surpreendente é que os jornais franceses falam do boato e da repercussão mas nenhum deles se arriscou a detalhar o teor dos boatos. Em nome da deontologia que rege a imprensa.

Le Monde de 6 de abril comenta um comunicado divulgado à imprensa pela ex-ministra, atualmente deputada no Parlamento europeu e prefeita do 7° arrondissement de Paris. No início do mandato de Sarkozy, Dati foi símbolo da política sarkozista de ‘diversidade’, que abriu espaço ministerial a mais de um filho de imigrantes. Em seu comunicado, a ex-próxima do presidente desmente ‘qualquer responsabilidade na propagação de boatos absurdos e inadmissíveis sobre a vida privada do casal presidencial’.

As demissões no Journal du Dimanche

O jornal ouviu amigos da ex-ministra que se solidarizaram com Dati e condenaram o que veem como uma campanha contra ela. As matérias que agora começaram a pipocar na imprensa tratam do affaire a partir do texto do comunicado da ex-ministra. Sobre o teor dos boatos, nenhuma linha. Nenhum jornal quer responder na Justiça por divulgação de ‘ignomínias’.

Segundo Le Monde, a ex-protegida e amiga do presidente teria caído em desgraça. E o ‘monarca’, batizado por um escritor de Nicolas Premier em livro que trata dos fatos do governo como crônicas de uma monarquia absoluta, não mais atende seus telefonemas desesperados para tentar explicar que tudo não passa de calúnia. O comunicado torna pública sua explicação que o ex-amigo presidente não quer ouvir no seu celular.

Puro Versalhes, pura corte do Rei Sol. Tirando a tecnologia, claro. E o papel da imprensa como arauto dos fatos da corte.

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Deu no Le Monde (8/4/2010)

Os jornalistas do Journal du Dimanche protestam

Os jornalistas do Journal du Dimanche (JDD) acham que o grupo Lagardère exagera. Num comunicado de 4 de abril, a Sociedade dos Jornalistas (SDJ) se diz ‘abismada e inquieta’ com as proporções que tomou o caso do boato. O JDD, ‘como todos os outros veículos não tem que se curvar aos desejos do poder nem ceder às pressões nem às ameaças venham de onde vierem’, dizem os representantes dos jornalistas. No dia 6 de abril, a SDJ protestou junto ao diretor da redação Olivier Jay: ‘Dissemos que questionamos as razões profundas que motivam o processo feito pelo grupo Lagardère, uma vez que os dois responsáveis pela divulgação do boato foram demitidos’, declara Alexandre Duyck, presidente da SDJ. Certos redatores têm a convicção que o processo foi ordem do Eliseu. Eles não concordam com a carta de desculpas que Olivier Jay enviou ao presidente Sarkozy pois pensam que a redação não era responsável pelo boato, redigido num blog abrigado pelo jornal por alguém que não é sequer jornalista.

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Jornalista