Feriadões, como o do Carnaval, são um terror para os pauteiros de Economia. Como encher o espaço quando as bolsas não funcionam, os ministros desaparecem, o presidente se recolhe e as fontes habituais entram em recesso? Mas feriadões são também oportunidades para tirar da gaveta – ou inventar – as boas pautas sempre atropeladas pelo noticiário mais quente. Às vezes nem é preciso ir muito além do imediato para encontrar a boa história. Edições abertas com fotos de escolas de samba podem trazer material econômico rico de informação para complementar as coberturas do dia a dia. Isso foi provado mais uma vez nos últimos feriados.
Gargalos são sempre um assunto importante, no Brasil. O assunto reapareceu, com histórias levantadas em campos diferentes, em matérias da Folha de S.Paulo e do Globo no domingo (14/2) de Carnaval. ‘Brasil enfrenta `apagão de mão-de-obra qualificada´’, noticiou a Folha na manchete principal da edição.
No ano passado, faltou gente preparada para os postos oferecidos pelas empresas. A matéria explora um dado nem sempre valorizado nas discussões: não basta criar vagas para garantir o crescimento do emprego – e da economia – no país. As formas de produção mudaram e o sistema educacional brasileiro não acompanhou a mudança.
‘Dívida recorde’
Na semana anterior, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) havia lançado sua primeira sondagem conjuntural da construção civil. O segundo maior problema apontado por executivos do setor, logo depois da tributação, havia sido a escassez de mão de obra qualificada. Esta foi uma das informações mais interessantes da pesquisa, mas não foi bastante explorada pelos jornais. É, no entanto, um forte sintoma de transformação. Até há pouco tempo, a construção civil era valorizada politicamente por sua capacidade de absorver mão de obra de baixa qualificação. Esse papel está superado e este é um detalhe de enorme relevância para se pensar o desenvolvimento brasileiro.
No mesmo domingo (14/2), o Globo chamou a atenção para um obstáculo de outro tipo ao programa habitacional do governo. Sem redes de esgoto e saneamento, não se pode usar dinheiro público para a edificação de casas populares. A maior parte das companhias estaduais de saneamento está em más condições financeiras e sem capacidade para tomar novos empréstimos e iniciar empreendimentos. Faltam projetos no setor e será preciso resolver esse problema não só para elevar os padrões sanitários, mas também para possibilitar a execução do programa habitacional.
Essas duas matérias não são apenas diferentes, não rotineiras. São especialmente importantes porque oferecem novas perspectivas para o exame de questões de interesse geral, como as políticas de crescimento econômico e as condições de urbanização do país. Acrescentam bem mais que uma notícia quente.
O Estado de S. Paulo ofereceu um bom material na segunda-feira (15/2), sem ter de ir além da conjuntura. ‘Brasileiros têm dívida recorde de R$ 555 bi’ foi a manchete da edição. O número se refere ao valor dos compromissos no fim de 2009. O jornal pediu o levantamento à LCA Consultores. Se fosse liquidar todo o débito de uma vez, os consumidores precisariam de 4,8 meses, incluídos os benefícios pagos pela Previdência. Um ano antes, a dívida equivalia a 4,3 meses de rendimentos. Mas o aperto imediato diminuiu: como os prazos foram alongados, o desembolso mensal passou a consumir uma parcela menor dos ganhos familiares.
Cooperação para disfarçar a situação
O risco maior de inadimplência, segundo analista citado na reportagem, fica para 2011, quando a economia provavelmente crescerá menos do que neste ano. O governo deve ter motivo especial para se alegrar com a notícia. Em 2010, ano de eleições, o consumidor ainda não será posto contra a parede, embora o custo dos financiamentos deva subir nos próximos meses. Apesar do endividamento recorde, a situação das famílias brasileiras ainda está longe da encrenca dos consumidores americanos. A reportagem cita, além dos números levantados pela LCA, pesquisas da Universidade de Brasília e da Kantar Worldpanel.
Mas o material interessante veio também do exterior, sem depender, na maior parte, da criatividade dos pauteiros. A grande história estrangeira foi publicada pelo New York Times. O Goldman Sachs e outros bancos americanos inventaram operações para ajudar o governo grego a aumentar sua dívida sem chamar a atenção das autoridades da União Europeia. A operação foi descrita sem muitos detalhes, mas ficou evidente, na reportagem, a cooperação entre os bancos e o governo para disfarçar a situação do Tesouro grego.
Chapéu de cangaceiro
Editores um pouco mais velhos poderiam ter acrescentado uma nota sobre a devastação financeira de estados brasileiros nos anos 1980 e na primeira metade dos 90. Governadores irresponsáveis gastaram muito mais do que podiam e deviam, durante anos, tomando financiamento bancário para financiar a farra. Mas esse financiamento foi fornecido principalmente pelos bancos estaduais. A baderna durou vários anos graças à cooperação das autoridades federais. Os bancos dos estados emprestavam aos governos e em seguida recorriam ao Banco Central para cobrir o rombo de caixa. A prática de quebrar o banco estadual para eleger o sucessor foi possível graças a esse festival de permissividade, só interrompido depois da implantação do Plano Real.
O dado mais notável, no caso da Grécia, é a participação de bancos privados na farsa. Afinal, nenhum governante podia obrigá-los a entrar no jogo. Mas a malandragem, segundo o New York Times, envolveu também outros governos. A atuação das autoridades gregas valia o destaque, inicialmente, porque a Grécia foi o primeiro país a chegar a um passo da insolvência pública e sua crise podia contaminar todo o bloco. Mas a história da mistificação continuou crescendo, nos dias seguintes, com novos detalhes sobre o envolvimento de outros países na jogada com os bancos.
Apesar de tudo, o fato político e econômico mais interessante do Carnaval talvez tenha sido mesmo um evento carnavalesco: a publicação das fotos do governador José Serra e da ministra Dilma Rousseff com um chapéu-fantasia de cangaceiro. A legenda poderia ter sido: a qual destes dois você entregaria a administração deste país?
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Jornalista