Na sequência das reflexões que propusemos aos leitores sobre a hipótese de que a imprensa tradicional, que ajudou a construir as grandes democracias no século 20, está perdendo relevância, pode ser útil observar as edições de jornais e revistas destes dias que antecedem o final de ano. Esta é a época das “retrospectivas”, dos rankings de pessoas mais populares ou influentes, dos “micos” e das promessas não cumpridas.
A primeira característica que chama a atenção do observador é que todo esse material é autorreferente, ou seja, cada publicação ou cada grupo de comunicação procura destacar personagens e acontecimentos que eles mesmos consideraram relevantes ao longo do ano. Esse é um dos aspectos mais claros do processo de encolhimento da imprensa tradicional, que, em vez de aproveitar a disponibilidade das tecnologias digitais de informação e comunicação para expandir sua cobertura, entram num processo de entropia e reduzem suas ambições informativas.
Já foi citado neste espaço (ver “Uma sepultura, dois epitáfios”) o estudo do centro Tow para Jornalismo Digital da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, no qual se afirma que, não importa que modelo de negócio a indústria americana de jornalismo adote, ela não será mais capaz de reproduzir a receita gerada no tempo da comunicação de massa.
Uma porta interessante para encaminhar essa reflexão é a expressão usada pelos autores do estudo, que chamam o sistema contemporâneo de imprensa de “jornalismo pós-industrial”.
A justificativa para essa qualificação é que o sistema comunicacional pelo qual o jornalismo passa a ser produzido com as mídias digitais é tratado como uma indústria, mas não se trata mais de um sistema como tal. Portanto, ao insistir na renovação de um modelo de negócio baseado nas estruturas industriais que caracterizavam o jornalismo do século 20, as empresas tradicionais de mídia apenas reduzem suas chances de promover as mudanças que iriam realmente fazer diferença em seu futuro.
O mercado vai decidir
Não há uma profusão de modelos disponíveis nas bibliotecas de gestão ou mesmo de comunicação capazes de apontar uma direção segura. Mas pode-se recorrer a disciplinas de análise organizacional, por exemplo, para obter algumas orientações.
Empresas de outros setores maduros que se viram diante de cenários caóticos no início deste século recorreram à teoria da complexidade para entender como o mundo estava mudando à sua volta. Uma das lições mais importantes aprendidas por esses setores foi tirada da Biologia, mais precisamente da descrição de organismos que se adaptam continuamente ao ambiente, sem perder sua identidade básica.
Esse seria um primeiro movimento a ser feito pela indústria de comunicação: seguir a velha lição do darwinismo segundo a qual sobrevivem os mais adaptáveis. Mas flexibilidade e adaptabilidade nunca foram características das empresas de mídia. E esse desafio se torna ainda mais crucial quando se observa que o ambiente em torno delas se transformou radicalmente.
Os dutos pelos quais elas transmitiam informações se romperam, ou para usar uma metáfora simplista, foram imersos no ambiente líquido da hipermediação: daqui para frente, oferecer serviços de mídia centralizada será quase como tentar vender água encanada para os peixes.
Outro obstáculo contra as chances de a mídia tradicional se reinventar vem do fato de que a natureza e a quantidade das interações aumentam as chances de sobrevivência das espécies.
Num ambiente mais homogêneo, onde há menos diversidade, a vida depende de evitar o predador enquanto se busca alimento, mas tanto o alimento quanto o risco são mutuamente proporcionais.
Nos ambientes complexos, como se tornou a sociedade contemporânea, reduzir a quantidade e diversidade de interações significa matar suas próprias chances de ampliar a audiência e de se manter no jogo.
Medidas defensivas, como as que foram recentemente tomadas pela Folha de S. Paulo, ao recorrer à Justiça para tentar impedir que seu conteúdo seja distribuído no conjunto de clippings de imprensa, são paliativos que podem funcionar ao contrário: se forem impedidas de colocar material publicado pela Folha nos relatórios para seus clientes, algumas assessorias de imprensa poderão simplesmente deixar de programar o jornal em suas ações. Em pouco tempo, é possível que os clientes percebam que não faz muita diferença.
A rigor, portanto, a questão da relevância da imprensa tradicional já não será resolvida pela própria imprensa. O mercado é que vai dizer se ainda existe futuro na mediação centralizada de informações.