Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A entrevista da doce deputada

Luciana Genro é um dos parlamentares expulsos pelo PT, fundadora do PSOL, ex-mulher da ‘esquerda do Partido dos Trabalhadores’, uma pessoa que enfrenta os interesses do capital, mas que não teceu uma crítica sequer à mídia burguesa na entrevista ao Programa do Jô, da TV Globo, na madrugada de 12 de agosto de 2005.

Luciana Genro falou sobre a ‘americanalhização’ brasileira, referindo-se às semelhanças entre PT e PSDB – para ela, dois partidos neoliberais –, mas não tocou no estilão estadunidense de fazer jornalismo do nosso país.

Luciana Genro, que é socialista, falou de corrupção do PT, do PSDB, do PFL, do PTB, do PP, só que não falou do oligopólio midiático brasileiro, que está nas mãos de algumas poucas famílias. A Globo detém mais de 53% do mercado televisivo do Brasil, conforme o Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação/2002.

No centro

Luciana Genro esteve num tremendo centro nervoso do capital, mas, doce, não falou disto, nem implicitamente. Assim como Luciana Genro não falou do ‘coronelismo eletrônico’ – expressão antiga citada por Pedrinho Guareschi e Osvaldo Biz no livro Mídia & Democracia (2005, Editora Evangraf).

Em 1996, primeiro governo de FHC, de acordo com números mencionados por Guareschi e Biz, o PFL tinha 143 concessões públicas de TV, o PMDB, 76, o PTB, 66, o PPB estava com 48, o PSDB com 40, o PDT, 9, o PSB e o PL, 8 cada, o PMN e o PSC, cada um, 3, o PSDC e o PV com 2 e o PTN e o Prona, 1 cada. Tudo bem que são dados antigos, mas foram mapeados por uma publicação de 2005, o que pode representar sua significativa contribuição atual. [Nota do OI: ver na edição passada do Observatório da Imprensa, a 341, o artigo ‘As bases do novo coronelismo eletrônico‘, do pesquisador Venício A. de Lima.]

Ganhando espaço

Luciana Genro também não falou no controle da RBS no Rio Grande do Sul, estado dela. E a RBS é filial da Globo. Lá em Porto Alegre há o movimento pela mídia ética, que tem uma campanha anti-RBS. Há também, em Porto Alegre, o movimento ‘Zero Fora’, anti-Zero Hora, o jornal gaúcho de maior circulação no estado). Só que Luciana Genro nem mencionou isso em sua entrevista de dois blocos a Jô Soares.

É possível que ela não soubesse desses movimentos, ou então considerasse que não era o momento para dizer que o comportamento da denominada ‘mídia grande’ – termo do jornalista José Arbex (do jornal Brasil de Fato e da revista Caros Amigos) – corresponde aos interesses do capital.

E, além de não criticar a mídia convencional, Luciana Genro elogiou-a, dizendo a Jô que o tal setor está fazendo uma ótima cobertura jornalística no caso do suposto ‘mensalão’. Não estou dizendo que Luciana Genro teria de bater na mídia do capital só por ser do P-Sol e ter sido uma ‘radical do PT’. Também não estou dizendo que Luciana Genro teria de ter falado da mídia burguesa por estar falando do capital. Só estou mencionando que ela não o fez.

Estou citando isso para mostrar que Luciana Genro foi à Globo com o intuito de expor sua visão, a do partido ao qual pertence, expor sua crítica ao PT, ao governo, ao Lula, ganhar espaço para sua agremiação nas eleições de 2006 – e por meio da mídia do capital, daquela que até a ‘esquerda do PT’ detonou. Mas Luciana Genro não lembrou da campanha anti-PT de 1989. Não estou dizendo que ela deveria ter lembrado disso na entrevista ao Jô. Estou apenas mencionando que ela não o fez.

Dois pesos e duas medidas

Por isso entendo que a doce Luciana Genro sabe negociar, e isto não é crime. E a Luciana Genro, ao ser indagada pelo entrevistador se seu pai (Tarso Genro) estaria envolvido com o suposto ‘mensalão’, disse acreditar que se houve irregularidades com o PT do Rio Grande do Sul em 2002 foi armação da cúpula nacional do partido, sem a conivência dos militantes gaúchos.

O mesmo Jô mostrou cena de Heloisa Helena, pré-candidata do P-Sol à presidência, frente a frente com Delúbio Soares, ex-tesoureiro nacional do PT. Heloísa afirmou que era honesta e deixou explícito que se algo errado acontecera em sua campanha vitoriosa ao Senado, em 2002, teria sido culpa do tesoureiro do PT.

Se estou achando que Luciana Genro usa dois pesos e duas medidas para as mesmas situações? Não. Só estou dizendo que essa é uma leitura que uma pessoa qualquer pode fazer, e nem digo que esta seja a minha avaliação. Afinal, vi pouco a Luciana Genro, conheço pouco a Luciana Genro, sei que a Luciana Genro disse que quem está no PT e é honesto deve sair do partido para não ser envolvido pela onda de denúncias da mídia.

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Jornalista em Cuiabá