Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A entrevista do barulho

Foi a entrevista do ano, a bomba do ano ou a mais barulhenta rajada de metralhadora de um ano eleitoral recém iniciado. A entrevista do deputado Ciro Gomes, ex-futuro candidato socialista (PSB) à Presidência da República, foi concedida na noite de quinta-feira (22/4), divulgada na manhã do dia seguinte com grande destaque no portal Último Segundo, foi a vedete do noticiário do fim de semana no resto da mídia e, pelo teor, está fadada a servir de munição até outubro ou novembro.


O que Ciro disse não interessa – pertence exclusivamente aos observatórios político-eleitorais –, mas o que importa são as circunstâncias jornalísticas que os meios de comunicação não quiseram, não puderam ou não têm o hábito de assinalar.


Em primeiro lugar: a entrevista foi assinada pelo jornalista Eduardo Oinegue, responsável pelo portal. Em segundo lugar: o Último Segundo não esconde, ao contrário, gaba-se das conexões acionárias com setores do governo federal. Chegou mesmo a empreender uma limpeza ostensiva no seu quadro de colaboradores e parceiros eliminando qualquer possibilidade de pluralismo. Em terceiro lugar: o entrevistador sabia que o entrevistado seria fritado – ou cristianizado – nos próximos dias como segundo candidato da base aliada à sucessão do presidente Lula. Sabia, como todos os cidadãos que acompanham o noticiário político, que Ciro Gomes não cultiva o estilo sutil.


Por acaso supunha que o deputado paulista-cearense viria com um discurso resignado? Ou a finalidade da entrevista era justamente provocá-lo para um destempero e justificar o cartão amarelo dos próximos dias?


Qualquer que tenha sido a motivação política da entrevista, Ciro Gomes realizou a façanha de acabar com uma chatíssima disputa ‘plebiscitária’ centrada em alfinetadas ou, o que seria pior, em ações de aloprados.


História necessária


Ainda no carnê de avaliações jornalísticas:


** O destaque dado à entrevista na home-page do Último Segundo na manhã de sexta (23/4) evaporou-se mais rapidamente do que sói acontecer no jornalismo digital. No início da tarde, o portal já havia esquecido o conteúdo das bombas de Ciro Gomes e cuidava apenas da repercussão (contra).


** A Folha de S.Paulo no dia seguinte (sábado, 24) estava visivelmente enciumada: os opinionistas oficiais da Casa prontamente minimizaram a importância do pronunciamento. No passado, este tipo de comportamento era chamado no jargão das redações de ‘brigar com a notícia’.


** Comprometida em contextualizar o noticiário e, sobretudo, esclarecer o leitorado mais jovem, nossa imprensa esqueceu de fazer no sábado ou domingo (25) um perfil de Ciro Gomes Até para justificar um eventual descaso pelo que disse. Os jornais não se esforçaram nem conseguiram distinguir-se dos portais de notícias. É o que a nova ouvidora da Folha, Suzana Singer, chamou de ‘harakiri coletivo’ dos jornais impressos (ver ‘Em busca do leitor real‘, para assinantes).


** Ninguém se interessou em explicar a origem do verbo ‘cristianizar’ que hoje poderia ser traduzido como ‘crucificar politicamente’. Foi o que aconteceu com o PSD em 1950, que lançou Cristiano Machado à sucessão de Eurico Gaspar Dutra mas votou em Getúlio Vargas, do PTB.


** Idem, no tocante à curiosa e contraditória pré-história do Partido Socialista Brasileiro, que começou em 1945 como ala da conservadora UDN, batizada como Esquerda Democrática, porque não admitia apoiar o totalitário Getúlio Vargas perseguidor dos socialistas durante o Estado Novo. Este percurso genealógico seria de grande utilidade para o eleitor que em 2010 porventura estranhe a presença de Paulo Skaf e Gabriel Chalita na lista do PSB.